“Trair é um jeito de dizer quero mais”, diz guru de relacionamentos Esther Perel

No novo livro “Casos e Casos”, a terapeuta de casais belga Esther Perel analisa os relacionamentos modernos e relativiza o poder destruidor dos casos extraconjugais

Esther Perel (Foto: Shutterstock)
Todos os anos, as pessoas mais bem informadas do mundo se reúnem em Austin, no Texas, para debater os rumos da tecnologia em um festival chamado South by Southwest. Em março último, essa exigente plateia ficou embasbacada com as sentenças proferidas pela terapeuta de casais Esther Perel. Não foi só o sotaque belga que encantou a audiência, mas o debate sobre como é se relacionar em 2018. Os TEDs dela em que trata do assunto têm 20 milhões de visualizações. Perel conversou com Marie Claire por telefone sobre essas profundas mudanças e também sobre seu novo livro, Casos e Casos, em que analisa a infidelidade por vários ângulos.

Marie Claire O que mudou nos relacionamentos nos últimos anos?
Esther Perel Antes, papéis de gênero eram muito bem definidos. Agora, não temos estruturas dizendo o que se espera de nós dentro de um relacionamento. Temos que tomar muitas decisões: escolher com quem sair, com quantas pessoas sair ao mesmo tempo… O leque de opções aumentou com os aplicativos. E surgem as perguntas: “Estou feliz? Estou feliz o suficiente?”. Por isso, todos os níveis de comprometimento de uma relação são negociados. E a conversa virou a parte central – e mais difícil – de qualquer relação porque, muitas vezes, não conseguimos nem sequer nomear o que sentimos e o que queremos. Estamos em busca da felicidade, mas não sabemos o que ela significa.

MC Qual o papel das novas tecnologias nisso?

EP Primeiro, elas afrouxaram as fronteiras: não nos relacionamos mais só com as pessoas que conhecemos previamente, abriu-se um mar de possibilidades. Mas fica a pergunta: os apps estão matando o romance? A dinâmica do date é a mesma de uma entrevista de trabalho. Estamos realmente aplicando ferramentas do marketing à vida romântica. Acabou o mistério, a poesia. E estamos vivendo contradições interessantes. Acabei de voltar de um tour internacional. Nos EUA, na Bélgica, em Israel, cada parte do casal está isolada ao mesmo tempo que deposita muitas expectativas na relação. Esperamos que o namoro ou o casamento preencham todos os aspectos da nossa vida, mesmo que estejamos imersos nos celulares e não conversemos mais com os parceiros.

MC Por que as mulheres traem?
EP Quando as mulheres casam, transformam-se nas cuidadoras da casa, do marido, das crianças. É assim até hoje. Quando têm um caso extraconjugal, sentem, pela primeira vez em muito tempo, que estão fazendo algo por elas mesmas. O caráter secreto da traição as ajuda a sentir que estão fazendo algo para elas mesmas. Não é culpa de ninguém, essa é uma luta interna clássica. Elas partem para um caso extraconjugal em busca de identidade, autonomia e sex appeal. Está nas mãos dos pais, dos homens e da sociedade evitar que entrem em burnout. Além disso, até pouco tempo se dizia que os homens não eram naturalmente monogâmicos. Isso é porque agora, pela primeira vez na história, as mulheres conseguem fazer aquilo que têm vontade. Se você quer saber o que elas realmente querem, deve olhar para o que fazem em seus casos. Agora, as consequências para as mulheres que traem não são as mesmas dos homens. Elas podem perder os filhos, a renda, a casa, a família, um futuro relacionamento. É por isso que traem somente quando estão verdadeiramente infelizes.

MC Traições podem ser evitadas?
EP Não existem vacinas que imunizem contra as traições. A melhor maneira de tentar evitar é ter uma união forte e robusta. Mulheres que estão em uma relação em que podem expressar suas necessidades tendem a trair menos. Já os homens buscam uma sensação de liberdade quando têm um caso. A infidelidade é um jeito de dizer não, de dizer “eu quero mais”, de quebrar regras. Um ato de rebelião, de vingança, um antídoto para a morte ou simplesmente um ato egoísta. No passado, quando os homens eram infiéis, eram chamados de homens. Hoje, podem ser chamados de traidores. Às vezes, uma mulher que trai é considerada uma vagabunda, às vezes uma pessoa sozinha. A traição tem muitos significados.

Casos e casos  (Ed. Objetiva, 300 págs., R$ 44,90) (Foto: Divulgação)

MC Você costuma dizer que traições podem não apenas ser superadas como podem ser boas para uma relação. Por quê?
EP Primeiro, nunca digo que uma traição é boa para um casamento. Essa é uma ideia estúpida. Mas às vezes é possível transformar uma crise em uma oportunidade. Você pode ir do desespero à reparação e, talvez, construir uma relação mais forte e madura do que foi no passado. Toda crise é uma mistura de perigo e oportunidade. Para os casais que querem permanecer juntos, é preciso colocar novas forças, de honestidade e responsabilidade, no relacionamento. E, felizmente, conseguem transformar isso em algo pulsante porque existe uma grande diferença entre uma relação que não está morta e outra que está viva.

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