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Traição Virtual

Leyla Yurtsever, advogada, articulista e professora

 

Não é de hoje que se convive com a traição. Nem o Cristo escapou dela. A virtualidade ampliou ainda mais essa possibilidade. Sites, blogs, aplicativos e redes sociais prometem o sigilo mortal de encontros descompromissados e fortuitos longe dos olhos do parceiro/a. O conforto psicológico de quem entra nesse universo é que a distância virtual lhe garante um controle sobre a situação. Uma distância que tende a diminuir a medida que os acessos, curtidas e conversas on-line se multiplicam e favorecem as velhas escapadas do passado.

Os motivos para as traições virtuais são vários. Desgaste no relacionamento, falta de atenção, desinteresse sexual, redução do tempo e a mais recente, incompatibilidade de gênios (seja lá o que isso signifique!). A internet tem sido um refrigério para almas tão cansadas de relacionamentos desgastados. A um click, todos podem trocar, manter relacionamentos paralelos ou fazer pequenas experiências. Quase um tour amoroso com novos parceiros.

Alguns não consideram a traição virtual como traição, alegando a falta de contato físico. Um lapso que o tempo corrige. Outras vezes, essas microtraições ficam apenas no campo virtual. É quase um fetiche onde se testa o poder de sedução e controle sobre o outro. Velhas piadas são repaginadas, desejos são reavivados e dores são esquecidas pela novidade dos parceiros recém descobertos. Os humores, cansaço e frustração do/a atual parceiro/a podem ser substituídos. É garantia de endorfina perene para um êxtase quase infindo.

Mas nem por isso, traições virtuais são menos dolorosas e seus efeitos amenizados. Tragédias amorosas geradas por traição são recorrentes. Euclides da Cunha ao perceber a traição de Anna de Assis, disse ao filho ilegítimo: “nasceu um milho no meio do meu cafezal”! Uma alusão aos cabelos loiros de Dilermando. Uma tragédia que vitimou o autor de Os Sertões e seu outro filho.

Em tempos modernos, o número de vítimas não é menor. O sentimento de perda da confiança, de abandono e troca são até maiores. Afinal, o calor da presença física e o companheirismo mútuo foram substituídos por abraços virtuais e carinhas felizes. É uma apatia sincronizada de amantes privados e angustiados que sofrem pela ausência de um parceiro/a perfeito. Um engano que logo se desfaz quando se percebe que manter relacionamento exige conviver com insatisfações e frustrações. Os sedutores cabelos dourados do início serão os mesmos que irão entupir o ralo do banheiro.

Mas relações paralelas divergem não apenas da norma social, mas também do ordenamento jurídico brasileiro. Mesmo que o adultério não seja mais considerado um crime desde 2005, a legislação impõe o dever de fidelidade entre os amantes, unidos seja pelo casamento ou união estável. Restringem-se neste sentido, não apenas as relações sexuais com estranhos, mas também a formação de laços afetivos concretos ou platônicos. Algumas pesquisas apontam que as traições virtuais são responsáveis pelos divórcios, superando até mesmo o aspecto financeiro.

Relacionamentos duradouros são bastante comemorados. Alcançando 50 anos se comemora bodas de diamante. Uma pedra que adquire valor pela lapidação. De igual forma, descobrimos que o outro/a, assim como eu, é incrustrado de manias, crenças, defeitos e qualidades, e somente o tempo para lapidar tudo isso.

 

Leyla Yurtsever é advogada, articulista e professora. Sócia e fundadora do escritório jurídico Leyla Yurtsever Advogados Associados. Graduada em Direito. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pelo Ciesa; e em Direito Penal e Processo Penal pela UFAM. É Mestre em Gestão e Auditoria Ambiental pela Universidad de Leon (2006) – Espanha. Doutoranda em Direito pela Universidade Católica de Santa – Fé – UCSF. Foi coordenadora do Curso de Especialização em Direito Eleitoral da Universidade do Estado do Amazonas e do Núcleo de Prática Jurídica, neste último atua ainda como professora. Palestrante convida da Escola Judiciária Eleitoral – EJE/ AM. Coordenou e lecionou no Escritório Jurídico da UNIP e no Núcleo de Advocacia Voluntária – NAV – da Uniniltonlins. Professora da Universidade Federal do Amazonas e subcoordenadora do Núcleo de Prática Jurídica da UFAM/Direito. Foi professora do curso de Segurança Pública da UEA e a primeira mulher a ser professora de uma disciplina militar denominada “Fundamentos Políticos Profissionais” no Comando-geral da Polícia Militar. Atualmente é Assessora Jurídica Institucional da Polícia Militar do Amazonas.

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