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OPINIÃO: ‘Não se pode chamar aquilo de rebelião. Foi um massacre’, diz defensor

Em entrevista ao Estado, Arthur Macedo, defensor público do Amazonas destaca armamento dentro de presídios e avalia que sistema deve ser revisto

Qual sua impressão sobre o que aconteceu no Compaj após a visita realizada?

O que aconteceu lá dentro foi uma barbárie porque pessoas foram decapitadas. Eles não divulgaram a quantidade de mortos, já que muitos estavam sem braços, sem pernas, não tinha como conseguir identificar essas vítimas. Quando cheguei ao complexo, a situação já estava normalizada. Na entrada, tinha muitos familiares, todos angustiados, nervosos, porque não tinham informações sobre o que tinha acontecido, se os seus entes estavam entre os falecidos. A situação que aconteceu hoje não pode ser chamada nem de rebelião, chama-se de massacre.

Como atua a Defensoria na área de execução penal? 

Atuamos na maioria dos processos de Execução penal, e há só dois defensores para atuar nesta área. Representamos a maioria no Compaj, por exemplo, que tem mais de 1,2 mil presos, já que muitos não têm condições econômicas para contratar um advogado.

O que pode ter contribuído para o número elevado de mortes?

Há uma questão muito maior envolvida. Há imagens, por exemplo, de detentos com escopeta dentro do presídio. Como isso aconteceu? Imagino que não seja fácil entrar num ambiente como uma penitenciária, que era para ser bastante vigiada, com uma arma desse porte. Isso demonstra que o ataque poderia ter ocorrido a qualquer momento porque havia esse tipo de armamento dentro das celas. O sistema precisa ser revisto. Infelizmente, o que foi visto é uma demonstração de poder dessa facção, tanto dentro quanto fora das cadeias. A sociedade fica com medo do que pode acontecer. A falta de estrutura que do sistema penitenciário acaba fortalecendo essas organizações criminosas.

‘Não separar as facções rivais acabou sendo explosivo’, diz secretária

A secretária de Direitos Humanos Flávia Piovesan

A secretária Especial de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, Flávia Piovesan, afirmou ao Estado que a cultura das prisões em massa é um dos motivos para rebeliões. Ela avaliou que o Amazonas, em sua política de encarceramento, foi omisso ao optar por não separar as facções.

Que fatores a senhora avalia que culminaram nesta chacina?

No Brasil se prende muito e se prende muito mal. Essa frase aponta o problema na sua essência, a cultura do encarceramento em massa com a qual precisamos romper. O Brasil caminha para ser o terceiro com maior população carcerária, perdendo apenas para Rússia, China e EUA. Quando há facções criminosas rivais, estudos apontam que é preciso separá-las, não mantê-las na mesma unidade. (Não separá-las) Acabou sendo explosivo.

Um relatório da SDH sobre prevenção à tortura fez uma série de recomendações para o Compaj no início de 2015, como diminuir a superlotação. Nada foi cumprido. As medidas eram a longo prazo ou algo falhou?

Eram questões que já deveriam ter mudado. O Estado tem dever de assegurar a integridade física, psíquica e moral dos presos, que só têm cerceada a liberdade, mas permanecem com o direito de terem as vidas resguardadas. O que ocorreu em Manaus foi um desperdício evitável de vidas humanas. Dentro dos direitos humanos, 80% dos problemas estão na questão carcerária. Infelizmente, essas mortes não são algo singular, a não ser pelo número.

O Estado do Amazonas foi ausente?

Seguramente houve uma omissão e uma política pública desacertada, insuficiente e ineficaz para prevenir. Seria muito importante que tivessem agido contra a cultura do encarceramento, repensado a política de drogas e combatido a corrupção no sistema carcerário, que alimenta as facções. Essas questões são, fundamentalmente, responsabilidade da unidade de federação, mas acho necessário um pacto federativo envolvendo todos os poderes, inclusive a mentalidade dos juízes. A meu ver, pena de privação de liberdade deveria ser aplicada apenas em crimes que envolvam violência ou grave ameaça. Tentar fazer uma “limpa” carcerária e investir em penas alternativas é algo que envolve as três esferas. Uma voz isolada não vai dar conta.

O que vê de semelhante entre o massacre de ontem e os ocorridos no Carandiru (SP, 111 mortos), na Casa de Custódia de Benfica (RJ, 31 mortos) e em Pedrinhas (MA, 18 mortos)?

A falência do sistema repressivo-punitivo e a cultura de violação maciça de direitos humanos. Temos projetos em implementação que buscam combater isso, como as audiências de custódia, para diminuir a superlotação e contribuir para a prevenção da tortura. É um desafio duríssimo combater as brigas entre as facções. Os presídios são habitados pelo crime organizado. A reincidência dos presos é de quase 80%, e estamos longe de alcançar a ressocialização.

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