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Marreta relembra dias difíceis após cirurgia nos dois joelhos: “Cheguei a pensar em parar”

Por Evelyn Rodrigues — Direto de Las Vegas, EUA

 

Marreta relembra dias difíceis após cirurgia nos dois joelhos:
Marreta relembra dias difíceis após cirurgia nos dois joelhos:

Evelyn Rodrigues

No mês de julho, Thiago Marreta conseguiu um feito inédito: foi o primeiro atleta na história a vencer o campeão dos pesos-pesados do UFC Jon Jones na opinião de um dos juízes laterais. Jones foi declarado o vencedor na decisão dividida – e o brasileiro saiu do UFC 239 com os dois joelhos gravemente lesionados.

Em Las Vegas, Thiago Marreta se recupera da cirurgia nos joelhos

Em Las Vegas, Thiago Marreta se recupera da cirurgia nos joelhos

Na semana seguinte ao combate, Marreta passou por cirurgia nos dois joelhos para corrigir as lesões e iniciou um longo período de recuperação, que ainda deve durar pelo menos mais oito meses. Na sexta-feira passada, ele voltou ao Brasil caminhando sem a ajuda de muletas ou cadeira de rodas – recuperação que aconteceu eu tempo recorde, surpreendendo a equipe que o acompanhou nos EUA.

– A evolução dele foi inacreditável. No primeiro dia ele não conseguia se mexer direito, estava na cadeira de rodas e mal conseguia entrar ou sair do carro, agora ele já está andando, fazendo certos movimentos, e essa recuperação não teria sido tão rápida se ele não tivesse se dedicado tanto e se não tivesse seguido à risca o nosso plano. O Thiago fez fisioterapia duas vezes por semana nos últimos dois meses, além de condicionamento físico todos os dias. Nós trabalhamos em conjunto com todas as áreas do Instituto de Performance do UFC – nutrição, condicionamento, a parte científica – todo mundo unido para que ele tivesse o melhor tratamento possível. É sensacional ver o quanto ele progrediu em um período tão curto – declara Heather Linden, diretora de fisioterapia do Instituto de Performance do UFC.

Combate.com acompanhou com exclusividade a primeira e a última semanas do brasileiro em Las Vegas e, em um bate papo-exclusivo, o peso-meio-pesado relembrou os momentos de solidão e as dificuldades que passou logo após a cirurgia:

– Passa um filme na cabeça de como tudo aconteceu, a lesão na luta, quando os médicos me deram a notícia de que eu ia ter de fazer a cirurgia nos dois joelhos. Tive que operar em Los Angeles, no dia seguinte voltei pra Las Vegas de carro, sentindo dor…Vim direto pra cá já pra começar a fisioterapia junto com a Heather Linden, diretora de fisioterapia do Instituto de Performance do UFC, mas no início eu senti dor pra caramba. Com o passar dos dias, fui me sentindo melhor, porque quando você está sentindo dor, você não quer deixar ninguém por a mão. Na minha cabeça eu só queria ir pro hotel ficar quieto ali, quietinho sem me mover, pra não sentir tanta dor – relembra.

Marreta ia para o tratamento no porta-malas da SUV da fisioterapeuta Heather Linden — Foto: Arquivo pessoalMarreta ia para o tratamento no porta-malas da SUV da fisioterapeuta Heather Linden — Foto: Arquivo pessoal

Marreta ia para o tratamento no porta-malas da SUV da fisioterapeuta Heather Linden — Foto: Arquivo pessoal

No início, Thiago contou com a ajuda de Tatá Duarte, seu treinador, que ficou hospedado com ele no hotel, localizado a cinco minutos de carro do Instituto do UFC. Sem conseguir se mexer direito (e sem poder dobrar os joelhos) o lutador não queria sair do quarto e ia para a fisioterapia no porta-malas do carro de Heather.

– O primeiro dia, as primeiras duas semanas foram bem difíceis. Não conseguia dormir, sentindo dor, não conseguia ir ao banheiro. Eu não queria comer pra não ter que ir ao banheiro…urinar eu urinava no potinho, mas se quisesse fazer “número dois” tinha que ir até o banheiro e era um sacrifício. O Tatá ficou as duas primeiras semanas comigo, me ajudando, depois foi embora e a galera daqui que ficou revezando pra me ajudar a fazer as coisas, a me locomover, a vir pro UFC. Foi essa galera da fisioterapia que me ajudou nesse momento bem difícil. A Heather me trazia na parte de trás da caminhonete dela com as minhas mochilas. A gente colocava mala e o que tivesse pra segurar minha perna, porque eu não podia dobrar o joelho. Ela trazia as muletas, pegava a cadeira de rodas, colocava e tirava do carro. Eu nem sei como agradecer o apoio que eles me deram.

Marreta conta que se sentiu tão impotente no início, que pensou até em desistir da carreira no MMA.

– Eu cheguei a pensar em parar, achei que eu não conseguiria mais lutar, porque já tenho 35 anos, não sou mais um garoto de 20. Na minha cabeça eu pensava: “Não consigo ir ao banheiro, não consigo fazer coisas simples, como que eu vou voltar a lutar, movimentando do jeito que eu movimentava, do jeito que eu gosto de lutar – que é movimentando pra lá e pra cá, troca de base, dar chute voador e o caramba… Na minha cabeça eu pensava: será que eu vou conseguir voltar a lutar desse jeito? Lutando 100%? E aí perguntei à Heather, perguntei ao médico, ao pessoal daqui se eu realmente ia conseguir voltar a lutar 100%, e ela falou: “Se você seguir tudo o que a gente está falando, porque a recuperação é mais importante do que a cirurgia – você tem que fazer tudo certo. Se você seguir direitinho, te dou 100% de certeza que você vai voltar a lutar 100%”. E é o que eu estou procurando fazer. Faço tudo o que eles estão mandando, e a primeira coisa que ela falou que ia acontecer está acontecendo. Eu falei que queria voltar andando pro Brasil, e ela falou pra eu dar dois meses direto aqui que eu iria embora andando. E aqui estou, voltando pro Brasil andando. Foi um pedido meu: só quero voltar pro Brasil andando, sem muleta, sem cadeira de rodas, sem nada, andando normalmente. E ela falou: “Me dá dois meses que você vai voltar andando”.

Marreta estava nos EUA desde abril, quando foi finalizar o camp de preparação para a luta contra Jon Jones na American Top Team, na Flórida. Ele não contava que ficaria tanto tempo longe de casa (somando o camp ao período de recuperação, foram quase seis meses). Quando decidiu que faria todo o início da recuperação em Las Vegas, o lutador chegou a receber mensagens dos amigos questionando se ele estava tomando a decisão certa.

– Depois dos três primeiros dias de fisioterapia, eu já fazendo a parte física, dos membros superiores, e isso ocupa a sua mente, porque eu tenho que ser sincero: eu sou ser humano, não sou super-herói, e tenho meus momentos de fraqueza. Tive vários momentos ruins, e mandava mensagem pra Heather dizendo que eu não estava vendo melhora no meu joelho, aquela coisa de desabafar. E ela falava: “Poxa, Thiago, não é assim. Olha tudo o que você já está fazendo, que você já está conseguindo fazer. É que você não consegue ver”. Tem momento que bate uma “deprê”. Estava longe de casa, longe da família, sem falar a língua direito, sentindo dor, dois joelhos operados, sem fazer coisas simples que você está acostumado a fazer. Então eu tive meus momentos de fraqueza e, se não fosse essa galera aqui me dando essa ajuda, seria muito mais difícil.

Marreta caminha na esteira pela primeira vez sem proteção no joelho — Foto: Evelyn RodriguesMarreta caminha na esteira pela primeira vez sem proteção no joelho — Foto: Evelyn Rodrigues

Marreta caminha na esteira pela primeira vez sem proteção no joelho — Foto: Evelyn Rodrigues

Surpreso com popularidade em alta

Como os treinos físicos e a fisioterapia só aconteciam de segunda a sábado, Thiago, que nunca havia tido tempo para conhecer Las Vegas nas outras vezes que lutou na cidade, aproveitou para passear pelos pontos turísticos da região. No mês passado, quando ainda estava andando de muletas, foi de carro para o UFC 241, em Anaheim, assistir à revanche entre Daniel Cormier e Stipe Miocic.

– Eu entrei pelo portão normal, no meio da galera, e as pessoas começaram a me parar e a abrir caminho pra eu passar. Todo mundo queria foto, eu quase não consegui passar. Quando finalmente entrei, fui procurar meu lugar e tive que descer uma escada, no meio da galera, e aí todo mundo levantou e começou a me aplaudir. Eu achei que não era comigo, morro de vergonha, olhei pra trás e não tinha ninguém. A galera estava me ovacionando mesmo, me aplaudiram até eu chegar no meu lugar. Não consegui acreditar – conta.

No caminho de volta pra Vegas, mais surpresas. Em todo lugar que Marreta parava pra comer vinha o gerente ou o dono do restaurante dizer que era “por conta da casa”.

– Parei num posto de gasolina e depois que eu paguei o atendente saiu atrás de mim, pediu uma foto e implorou pra eu levar alguma coisa. Ninguém queria deixar eu pagar nada. Eu não sabia o que fazer (risos). Isso nunca aconteceu antes. Acho que a galera viu uma mensagem positiva na luta. Mesmo que eu não tenha saído com a vitória, acho que passei uma mensagem de superação, e isso mexeu com muita gente.

Thiago Marreta de muletas, com o filho Hiago em Las Vegas - o menino assistiu à luta contra Jon Jones na arena — Foto: Reprodução / TwitterThiago Marreta de muletas, com o filho Hiago em Las Vegas - o menino assistiu à luta contra Jon Jones na arena — Foto: Reprodução / Twitter

Thiago Marreta de muletas, com o filho Hiago em Las Vegas – o menino assistiu à luta contra Jon Jones na arena — Foto: Reprodução / Twitter

Tímido e alheio a holofotes, Marreta gosta da vida simples, e sofreu muito com a saudade do filho Hiago, de 15 anos, durante todo o tempo de recuperação.

– O que mais doeu foi ficar longe da minha família, da minha mãe e do meu filho. Se eles pudessem vir, eu acho que eu ficava mais um pouco pra acelerar mais a recuperação, mas não dá. Minha mãe tem medo de avião, não gosta de voar, e o meu filho tem escola, está no futebol, começando a trilhar o caminho dele também no futebol – acabou de ser contratado por um time grande. Então eu vou matar a saudade, fico um pouco mais com eles, e volto de novo daqui a um mês pra passar pra uma nova fase da recuperação aqui em Vegas- afirma.

Inglês quase fluente

O tempo que ficou nos EUA também fez Thiago aperfeiçoar a língua inglesa na marra. Na semana passada, inclusive, nossa equipe acompanhou uma entrevista do lutador ao canal do UFC em inglês.

– No começo eu fazia mais mímica, sofria mais pra entender, ficava pedindo ajuda pro Tatá ou pros brasileiros que estavam aqui traduzir, mas agora eu já consigo entender quase tudo. Eles já não podem falar mal de mim que eu entendo (risos).

Heather conta que a comunicação com o lutador ficou mais tranquila no último mês.

– Thiago já está quase fluente em inglês. A gente já consegue explicar tudo pra ele, sem precisar de alguém pra traduzir. Ele entende tudo, ainda tem vergonha de falar, mas se eu disser pra ele que tem sessão de agulhamento, ele fala rapidinho que não gosta de agulhas (risos).

Thiago Marreta caminha na esteira submersa na piscina do Instituto de Performance do UFC — Foto: Evelyn RodriguesThiago Marreta caminha na esteira submersa na piscina do Instituto de Performance do UFC — Foto: Evelyn Rodrigues

Thiago Marreta caminha na esteira submersa na piscina do Instituto de Performance do UFC — Foto: Evelyn Rodrigues

Revanche com Jon Jones

O último dia de Marreta no Instituto de Performance do UFC foi marcado por muita emoção. Enquanto caminhava na esteira pela primeira vez sem o uso de protetores nos joelhos, o brasileiro parecia não acreditar que ia voltar pra casa sem o auxílio de muletas em apenas sete semanas de tratamento.

– Com certeza dá muito orgulho, e estou muito feliz por poder voltar pra casa andando, sem precisar de ajuda de muleta ou de ninguém. Devagarinho as coisas estão andando. Diferente de lá trás, hoje eu vejo que vou voltar a lutar 100%, e mais rápido do que eu pensava.

A expectativa de Marreta é voltar ao octógono em julho do ano que vem. E ele já tem o cenário ideal pra esse retorno.

– Tem que ser aqui em Vegas. Seria muito legal se eu conseguisse voltar a lutar aqui um ano depois da minha última luta. Seria especial – diz.

A revanche com Jones ainda é um objetivo, mas agora está em segundo plano. O brasileiro prefere comemorar as pequenas conquistas diárias e focar no sonho de um dia se tornar campeão do UFC.

– Claro que é uma luta que todo mundo quer ver, porque ficou a dúvida na cabeça. Mas antes de enfrentar o Jones, a minha luta é pra me tornar campeão. Se eu tiver dois caminhos e um é me tornar campeão e o outro é o Jon Jones, eu vou escolher me tornar campeão, lutar com quem tiver que lutar. Se for as duas coisas, esse casamento é perfeito. Eu acho que é o que vai acontecer, acho que, até a minha volta, ele se mantém campeão. Talvez eu tenha que fazer uma luta antes. Não depende de mim, mas vai acontecer, não tem jeito. Essa luta vai acontecer de novo.

O lutador, que já está no Brasil desde o último sábado, volta para Las Vegas em novembro para uma nova fase do tratamento.

– Voltar a treinar eu já voltei. Estou fazendo boxe, já fiz até um sparring light escondido (risos), daqui a pouco começo a chutar devagar, fazer wrestling, por último vai ser a parte de jiu-jítsu. Mais um mês e pouco e já vou poder treinar tudo. Em duas semanas já começo a correr e assim vai. Ainda esse ano já vou estar treinando tudo 100%. Mas eu não quero me precipitar, não quero voltar tudo antes da hora. Não quero sofrer tudo o que eu sofri de novo, antecipar e acabar sofrendo outra lesão, não recuperar direito e sofrer outra lesão. Quando eu estiver 100%, aí meu empresário vai entrar em contato com o UFC e vamos ver quem eles vão me dar. Até lá, só posso dizer que aprendi a lição, e que é uma lição pra vida: o impossível é mesmo uma questão de opinião.

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