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Manaus: 350 anos do porto de lenha

Leyla Yurtsever, advogada, articulista e professora

 

O tímido porto de lenha não esconde suas marcas de uma belle époque. Mas uma cidade não é feita apenas de aspectos visíveis. São as pessoas, suas relações, seus símbolos, suas palavras, crenças e acontecimentos que constroem uma cidade. É uma totalidade simbiótica. Esta existe em função das pessoas e não o inverso. Nos mais de três séculos de existência, Manaus ostenta marcas de grandes momentos históricos.

Em seu processo histórico, Manaus sempre teve um protagonismo jurídico. Em 24 de Maio de 1884, um cearense radicado em Manaus e exercendo o cargo de Presidente da Província no Amazonas, decreta: “Ficando assim, e de hoje para sempre, abolida a escravidão e proclamada a igualdade dos direitos de todos os seus habitantes”. Era uma antecipação de quatro anos em relação a Lei Áurea, oficialmente Lei Imperial n. 3.353 de 13/05/1888, no reconhecimento da dignidade e igualdade para os mais de 1.500cativos. Para marcar essa data e não esquecer o sacrifício daqueles que almejavam liberdade tão preciosa, hoje milhares de pessoas caminham livremente na rua da região central que carrega essa memória: 24 de maio.

Cosmopolita por natureza, Manaus miscigenou suas origens com grandes personalidades e anônimos que construíram sua história. Por vezes, pequenas iniciativas serviram de base para grandes instituições. Exemplo, foi quando um grupo de idealistas plantou uma semente de jaqueira em frente ao prédio da Faculdade de Ciências Sociais e Jurídicas. Estava ali, simbolicamente nascendo o curso de Direito que, posteriormente, foi reconhecido em 1909, pela Lei n. 601. A defesa de direitos é assim, anterior a criação da Universidade do Amazonas em 1962, quando o curso foi incorporado a instituição.

Esse dinamismo possibilitou que Manaus fosse a primeira cidade do Brasil a ser urbanizada e a segunda a receber energia elétrica. Eram os investimentos feitos com os recursos da época da borracha, que possibilitou a construção de grandes monumentos como Mercado Adolpho Lisboa, Teatro Amazonas e Prédio da Alfandega. Esse último foi importado pedra por pedra da Inglaterra.

O porto acolhedor recebeu pessoas de todo país. Dentre elas, um garoto que aqui realizou seus estudos secundários. Após obter formação jurídica na cidade de Recife, iniciou carreira na magistratura e foi transferido para Manaus onde desempenhou diversas funções até ser eleito senador em 1935. Sua atuação discreta, mas eficiente foi de grande importância ao desenvolvimento econômico do Amazonas. Quando em 1955, foi idealizado o projeto Zona Franca de Manaus pelo deputado federal Francisco Pereira da Silva, quem estava na relatoria do Senado Federal para apreciar o projeto era aquele menino que pisou no porto de lenha, mas agora senador pelo Amazonas: Cunha Melo.

Eminentes juristas também deram sua contribuição à defesa dos direitos não apenas regionais, mas no plano nacional. Dentre vários, destaca-se a figura de um amazonense como relator da Assembleia Constituinte de 1988, o senador Bernardo Cabral. Reconhecida como Constituição Cidadã, a Lei Maior do Brasil foi concebida num momento de redemocratização do país, com garantias de direitos e sendo referência no tratamento das liberdades individuais dos cidadãos.

Nesses 350 anos de história, anônimos, pessoas discretas e figuras públicas fizeram o porto de lenha respirar ares de modernidade e desafios, mas principalmente uma luta constante pela defesa dos direitos.

 

 

 

Leyla Yurtsever é advogada, articulista e professora. Sócia e fundadora do escritório jurídico Leyla Yurtsever Advogados Associados. Graduada em Direito. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pelo Ciesa; e em Direito Penal e Processo Penal pela Ufam. É Mestre em Gestão e Auditoria Ambiental pela Universidad de Leon (2006) – Espanha. Doutoranda em Direito pela Universidade Católica de Santa – Fé – UCSF. Foi coordenadora do Curso de Especialização em Direito Eleitoral da Universidade do Estado do Amazonas e do Núcleo de Prática Jurídica, neste último atua ainda como professora. Palestrante convida da Escola Judiciária Eleitoral – EJE/ AM. Coordenou e lecionou no Escritório Jurídico da UNIP e no Núcleo de Advocacia Voluntária – NAV – da Uniniltonlins. Professora da Universidade Federal do Amazonas e subcoordenadora do Núcleo de Prática Jurídica da UFAM/Direito. Foi professora do curso de Segurança Pública da UEA e a primeira mulher a ser professora de uma disciplina militar denominada “Fundamentos Políticos Profissionais” no Comando-geral da Polícia Militar. Atualmente é Assessora Jurídica Institucional da Polícia Militar do Amazonas.

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