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Família do Norte tenta furar cerco de paulistas para crescer

Família do Norte tenta furar cerco de paulistas para crescer

MANAUS – Se estar ao lado dos três maiores produtores de cocaína do mundo fez a facção Família do Norte (FDN) se expandir nos últimos seis anos, o poder adquirido ainda não foi suficiente para que represente uma força dominante em toda a Amazônia. Imitar o modelo de facções como o Comando Vermelho (CV) garantiu o tradicional pagamento de mensalidade por parte dos afiliados e a FDN se estabeleceu como dominante em parte da fronteira. O grupo quer agora consolidar o domínio dessa rota, ocupando um vácuo de facções no Pará, e ter maior acesso à Bolívia, por meio de sua expansão no Acre e em Rondônia.

Tudo isso não deve acontecer sem novas disputas, que podem incluir brigas nas penitenciárias, como em Manaus, que deixou 56 mortos. Para executar seus planos, a Família terá de quebrar um “cinturão” do Primeiro Comando da Capital (PCC) que envolve o Amazonas. Em Roraima, acima, no Acre, abaixo, e no Pará, ao lado, as forças dominantes, segundo investigações policiais, são simpatizantes da organização paulista ou de grupos que se autodenominam de forma homônima.

Para ganhar força, a FDN aposta nas fronteiras, principalmente no encontro brasileiro com cidades colombianas e peruanas, na tríplice fronteira. Foi lá que a facção já desenvolveu negócios milionários (mais informações nesta página) e quer ter acesso a quantidades cada vez maiores de cocaína para revenda a Estados nordestinos, onde encontra um bom mercado. O Amazonas tem 2,7 mil quilômetros de fronteira.

“Amazonas é vizinho dos únicos produtores de cocaína do mundo: Colômbia, Peru e Bolívia. Nesse contexto territorial, há sinais claros do empoderamento dessa facção”, disse o policial civil aposentado e professor da Universidade do Estado do Amazonas Antônio Gelson de Oliveira Nascimento.

Nascimento diz que, nas décadas passadas, havia grupos locais que se diluíam com as ações policiais. Quando as lideranças começaram a ser segregadas em presídios federais, houve contato com o know-how das grandes organizações, o que permitiu o crescimento da FDN. “Você tira o bandido perigoso do Amazonas e o coloca para dividir cela com Fernandinho Beira-Mar. O que se pode esperar desse camarada, que era inexperiente, é aprender como se faz.” Para ele, “ignorar a proteção das fronteiras é subestimar o crime organizado”.

Pará. Para consolidar o escoamento da sua mercadoria para o Nordeste, a Família poderá bater de frente com o Primeiro Comando do Norte (PCN), expressão do PCC fundado no Pará. O PCN encontra dificuldades para aumentar sua influência nas cadeias, pois não consegue afirmar seu poder em mercados consumidores crescentes de drogas, como Altamira e Marabá. “No Pará vimos uma migração para o interior diante de um crescimento demográfico significativo”, disse Aiala Colares, pesquisador da Universidade do Estado do Pará. Colares destaca que no Estado ainda funcionam grupos autônomos, como a Equipe Rex, que domina o Complexo Penitenciário de Americano, na região de Belém.

Já no Acre, a chegada do PCC, segundo a professora da Universidade Federal (UFAC) Marisol de Paula Reis Brandt, deu-se pela localização da fronteira com a Bolívia. Aliada ao Bonde dos 13, a organização paulista disseminou o expertise em gestão criminosa, com direito a estatuto, cadastro e mensalidade. O Bonde dos 13, porém, já passou a enfrentar a dissidência de criminosos, alimentando o ciclo de disputas e acirrando a tensão dentro e fora das cadeias.

BANDO USA ‘LARANJAS’ PARA ABRIR CONTAS

A facção Família do Norte tinha “laranjas” para movimentar dinheiro na tríplice fronteira com a Colômbia e o Peru, uma das rotas mais importantes para o narcotráfico e porta de entrada de maconha e cocaína que ia parar até no Ceará. Foi em Tabatinga, a 1.109 km de Manaus, que a organização montou um dos seus escritórios financeiros e movimentava contas milionárias para adquirir e revender entorpecentes, além de comprar armas para o arsenal do bando.

O grupo usou o tráfego fluvial da capital do Alto Solimões para carregar a maior parte do seu produto ilegal. Em agências bancárias de Tabatinga, membros da cúpula da FDN pagavam e recebiam por encomendas; aos laranjas que emprestavam os nomes para as contas, que tinham até empresas de fachada, eram pagos 4% sobre o valor movimentado. Só em uma delas, a facção pagou R$ 7 milhões por drogas adquiridas em um intervalo de seis meses.

Interceptações feitas pela Polícia Federal no âmbito da Operação La Muralla mostram a troca de mensagens em espanhol de membros da FDN com contatos que deixavam a encomenda em Tabatinga. O colombiano Paulo Bernal Lores confessou à Polícia Federal ter “alugado” suas contas para uso da facção, dizendo, porém, desconhecer a origem do dinheiro. Atuando sobretudo em Tabatinga e também na cidade colombiana de Leticia, os criminosos acabaram flagrados por investigadores, que rastrearam as contas e comprovaram depósitos frequentes do tráfico.

Os produtos que atravessavam a fronteira seguiam até Manaus. Para o secretário de Segurança do Amazonas, Sérgio Fontes, a rixa que levou ao massacre em Manaus tem como contexto a disputa pela rota do Solimões. “Por que o que aconteceu foi tão violento? Porque Manaus representa a rota.”

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