Esportes

Fala muito: as ordens, dicas e incentivos de Tite à Seleção em tempos de silêncio nos estádios

Por Bruno Cassucci e Raphael Zarko — São Paulo e Rio de Janeiro

O relógio não tinha chegado ao minuto cinco da partida entre Brasil e Venezuela, na última sexta-feira, e Tite já aquecia as cordas vocais à beira do gramado do Morumbi:

– Curtinho, curtinho! – ordenou, enquanto os zagueiros levavam a bola até os volantes.

Mesmo de máscara, o técnico se fazia ouvir por algumas dezenas de profissionais que estavam dentro e nos arredores do campo. Graças a microfones instalados próximos ao banco de reservas, quem assistia ao jogo pela TV também podia captar algumas das mensagens.

As caixas de som do estádio reproduziam em alto volume uma playlist de cantos de torcida – boa parte desconhecidos e pouco empolgantes – mas ainda assim era possível ouvir a voz aguda de Tite.

– Vai rodando, vai rodando, vai rodando – berrou aos sete minutos e em muitos outros momentos em que a Seleção trocava passes de um lado para o outro sem conseguir furar a forte marcação venezuelana.

Técnico Tite orientando a seleção brasileira em jogo contra a Venezuela — Foto: Lucas Figueiredo / CBF

Técnico Tite orientando a seleção brasileira em jogo contra a Venezuela — Foto: Lucas Figueiredo / CBF

A ausência de público nos estádios tira um tanto da alma e da razão de ser do jogo. Falta o “olé”, a vaia, o sonoro “uh” quando a bola passa rente à trave e, é claro, a explosão no momento do gol. Mas o silêncio das arquibancadas tem pelo menos permitido ao público conhecer um outro lado do futebol, que não é só jogado, mas também falado.

ge acompanhou o último jogo da Seleção com o som ambiente e tentou decifrar as mensagens de Tite para os jogadores. Foram muitas. Em alguns momentos, ele parecia narrar o jogo, tentando “cantar” cada jogada. Em outros, agia como motivador ou tentava compensar a falta de torcida pedindo concentração e atenção nos detalhes.

Na véspera do jogo contra o Uruguai, que acontece nesta terça-feira, às 20h (de Brasília), no Estádio Centenário de Montevidéu, o treinador admitiu que vem tirando vantagem do silêncio ao redor.

Facilita a comunicação. Tu consegues, com alguns gestos ou com alguma palavra-chave, desencadear um processo que já vem do treinamento assimilado. Quando falo do “gatilho”, do “perde e pressiona”, o atleta já sabe. Quando a gente fala um ou outro termo específico que, para quem está ouvindo possa ser diferente, isso já está codificado, para a gente que está no dia a dia é um linguajar normal.
— Tite

Algumas expressões são, realmente, habituais para os peladeiros de plantão. “Só bola”, para aconselhar a não fazer falta ou “leva ele”, para que um jogador se movimente e arraste a marcação, são alguns exemplos.

Mas há termos mais técnicos. Numa saída de bola, no segundo tempo, Tite pediu a Thiago Silva:

– Por trás, Thiago, por trás, comanda o triângulo fechado.

Prontamente, o zagueiro recuou, ficando entre Marquinhos e Allan.

– Organiza no pé – foi outro termo do “tatiquês”, seguido por novo pedido de “roda” e “não fica no pé”.

Os gritos do treinador tinham sentido: pediam para a seleção brasileira priorizar passes, não lançamentos, e cada atleta jogar de forma ágil, mas sem acelerar o jogo desordenadamente. Era para ter paciência, mesmo com o 0 a 0 no placar, para tocar a bola de um lado para o outro até encontrar espaços. Depois de muita insistência e nem tanta inspiração, ele foi achado com toques rápidos de Richarlison, Lucas Paquetá e Everton Ribeiro, culminando no gol de Firmino.

Mas tantas orientações não poderiam gerar um efeito colateral? Haveria o risco de os jogadores ficarem condicionados ao que o treinador pede em vez de assumirem riscos? Tite responde:

– A gente dá orientações. Tomada de decisão é do atleta. Ela é fundamental da velocidade de raciocínio e execução dele. Então não tem a intervenção na tomada de decisão. A menos, sim, e esse é o cuidado, que seja um atleta que esteja emocionalmente muito… que esteja estreando dentro da Seleção, que esteja com um nível de expectativa alto, que esteja excessivamente nervoso. A gente tem que ter a sensibilidade para saber encontrar a forma ou que tipo de orientação dar.

Técnico Tite durante Brasil x Venezuela — Foto: Nelson Almeida/Reuters

Técnico Tite durante Brasil x Venezuela — Foto: Nelson Almeida/Reuters

O comandante canarinho é cuidadoso com os detalhes. Quando um adversário vai cobrar lateral, ele pede aos jogadores que tenham a bola como referência. Nos escanteios e faltas recorre quase sempre ao grito de “concentra”. Quando a Venezuela tentou ter um pouco de posse, no fim do jogo, o pedido era de “tira, tira, tira”, mas não para “tirar” a bola, mas sim a linha de passe de quem tinha a bola.

Até num tiro de meta adversário o posicionamento era ajustado com minúcia:

– Tá bom aí, Firmino, tá bom aí. Douglas, deixa lá. Olha, calcula onde vai cair a primeira bola, aí Allan, aí!

Mais perto do apito final, Tite passou a tentar tirar algo a mais de alguns jogadores. A Firmino, avisou: “eu preciso de ti até o final”. Já quando Pedro se queixou de um problema muscular, que viria a cortá-lo da Seleção no dia seguinte, o técnico pediu: “suporta a dor”.

Houve também expressões difíceis de codificar:

– Retarda a viajada! – foi a dica dada a Allan em um momento em que o jogo estava parado.

Se nem tudo fica claro para o público e até para os jornalistas, para os jogadores este vocabulário é bem familiar, garante a comissão técnica da Seleção.

– Acredito que todos os treinadores, nesta circunstância de não ter público, trabalham da mesma maneira que trabalhavam quando tinha o público. E treinam dessa maneira. Pode parecer estranho para o torcedor, para a imprensa, mas para quem convive no dia a dia é uma coisa particular e de entendimento – comentou Cléber Xavier, auxiliar da Tite.

Diante do Uruguai, a Seleção faz a sua despedida em 2020 e possivelmente também a último jogo antes da volta do público nas Eliminatórias. O mundo torce por uma vacina contra o coronavírus antes de março do ano que vem, quando o Brasil enfrenta Colômbia e Argentina. É bom Tite já ir preparando a garganta…

 (Com informações do GE).

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