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Como Simeone revoluciona o papel dos laterais com o dinamismo do basquete e os ataques do handebol

Como Simeone revoluciona o papel dos laterais com o dinamismo do basquete e os ataques do handebolComo Simeone revoluciona o papel dos laterais com o dinamismo do basquete e os ataques do handebol

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“Quando Cholo disse que queria trabalhar comigo, não pensei duas vezes. Adoraria trabalhar com ele para melhorar o lado defensivo”. Foi assim que Kieran Trippier definiu sua surpreendente chegada ao Atlético de Madrid. Renan Lodi seguiu a tônica de querer aprender com o Cholo. Se ainda faltam ajustes na defesa – seis gols levados em cinco jogos – é no ataque que a dupla combina dinamismo e uma surpreendente função tática que serve de lembrete sobre como o futebol pode ter muito de outros esportes.

A atuação da dupla contra a Juventus, na estreia da Liga dos Campeões, foi destacada. Juntos deram 146 passes. Se levarmos em conta que o Atlético de Madrid tocou 524 vezes na bola, chegamos numa conta espantosa: os laterais foram responsáveis por 28% dos passes do time. Um quarto! É muita coisa. Agora observe o mapa de passes dos dois: há um número muito maior de passes no campo de ataque do que no campo de defesa e muitos cruzamentos direcionados para a área – são 25 ao todo.

Mapa de passes de Renan Lodi e Kieran Trippier contra a Juventus — Foto: Leonardo MirandaMapa de passes de Renan Lodi e Kieran Trippier contra a Juventus — Foto: Leonardo Miranda

Mapa de passes de Renan Lodi e Kieran Trippier contra a Juventus — Foto: Leonardo Miranda

A surpresa começa pelo posicionamento. Os dois estão sempre avançados em campo, praticamente na linha dos zagueiros adversários, como na imagem abaixo, na qual o lateral Trippier se encontra mais avançado até que o centroavante Diego Costa. A ideia ofensiva de Simeone nessa temporada é justamente criar a partir dos corredores, os lados do campo. O time concentra jogadores de um lado, que chamam a marcação. Ludibriam o adversário para roubar a bola e concentrar todo mundo num setor – veja como o lateral da Juve está perto do meio-campo.

Trippier atacando o corredor é a jogada forte do Atléti na temporada — Foto: Leonardo MirandaTrippier atacando o corredor é a jogada forte do Atléti na temporada — Foto: Leonardo Miranda

Trippier atacando o corredor é a jogada forte do Atléti na temporada — Foto: Leonardo Miranda

Diego Costa e João Félix ficam perto dos zagueiros, assim como Lemar. E os volantes se unem aos zagueiros para tocar curto, manter a bola. Quando a brecha aparece é que o perigo acontece: o Atlético gira o jogo para seus laterais, que como estão próximos da linha de fundo, têm tempo e espaço para dominar e já fazer o cruzamento. O lance gera uma bagunça na defesa adversária: o lateral precisa “caçar” Tripper ou Lodi, e Félix e Diego ficam mais livres para receber a bola e finalizar. Veja como a jogada se repete no outro lado, com Lodi.

Troca de corredor para Lodi cruzar na área — Foto: Leonardo MirandaTroca de corredor para Lodi cruzar na área — Foto: Leonardo Miranda

Troca de corredor para Lodi cruzar na área — Foto: Leonardo Miranda

A influência do os ataques em 5×1 do handebol e do basquete

Começar a jogada por um lado e terminar pelo outro não é novidade. Guardiola sempre disse que a dinâmica dos esportes coletivos é sobrecarregar um lado para desproteger o outro. Se o técnico catalão faz isso com Sterling e Sané, colocando os laterais por dentro, Simeone aproxima seus laterais dos pontas do handebol: eles ficam abertos e são receptores de passes para que o time rode a bola e ache os espaços.

“O ataque em 5-1, com três armadores, um pivô e dois pontas, tem como fundamento básico rodar a bola. Vai rodando e girando a bola, de um ponta até o outro ponta, para que a defesa mexa junto”, explica Victor Gama, do Podcast 4dois3um e jogador de handebol universitário. “Quando se aumenta a velocidade dos passes, algum marcador dá um “mole” e abre um espaço. É ali que dá pra finalizar”, pontua. Impossível não associar ao futebol.

A novidade é que Simeone radicaliza a ideia. Ao invés de girar a bola, essa inversão de lado é extremamente direta: a bola passa do meia para o homem aberto por cruzamentos pelo alto. Sempre o mais próximo do gol. Dos 43 passes em direção à área, 25 foram dados pelos laterais. É como se Lodi e Trippier fossem responsáveis por mais de 50% das chegadas no time no gol.

Lodi recebendo no lado oposto, com Félix e Diego livres — Foto: Leonardo MirandaLodi recebendo no lado oposto, com Félix e Diego livres — Foto: Leonardo Miranda

Lodi recebendo no lado oposto, com Félix e Diego livres — Foto: Leonardo Miranda

Para isso acontecer é preciso uma boa dose de fôlego, já que os laterais vão e voltam o tempo todo, e versatilidade: eles continuam sendo laterais, e quando o time está sem a bola, precisam ser dominantes na defesa. Precisam defender como zagueiros, mas atacar como verdadeiros pontas. Além de desenvolver uma técnica mais apurada para a posição: posicionamento de corpo, controle orientado da bola, domínio, projeção e cruzamento direcionado para a área.

Sem a bola, laterais precisam ser defensores e continuam fechando a linha — Foto: Leonardo MirandaSem a bola, laterais precisam ser defensores e continuam fechando a linha — Foto: Leonardo Miranda

Sem a bola, laterais precisam ser defensores e continuam fechando a linha — Foto: Leonardo Miranda

Uma evolução que lembra a transformação que o basquete passa nos últimos anos. “Vivemos uma era apelidada de “positionless basketball”, na qual o posicionamento e movimentação são cruciais, pois os atletas são muito mais versáteis e executam varias funções sem se prender as posições clássicas”, explica Renan Ronchi, do Na Era do Garrafão.

Com cada vez menos espaços, o jogo precisou de velocidade. E o lateral precisou ser zagueiro na defesa e ponta no ataque, como no basquete. “O pivô é um exemplo dessa transformação. Muitas vezes arma a jogada, se posiciona no garrafão, recebe a bola de costas pra cesta e os laterais se movimentam e fazem corta luzes pra receber a bola em posição de arremesso”, finaliza Ronchi.

Evolução passa pelas saídas na última temporada

A influência dos laterais na finalização das jogadas do Atlético de Madrid foi planejada por Simeone. No time que chegou às finais da Liga dos Campeões, Filipe Luís e Juanfran construíam e controlavam o ritmo, mas o time chegava pouco ao ataque. Sabendo que precisava de mais qualidade nessas chegadas – e sem Griezmann, que criava muitas jogadas, o técnico precisou repensar o modo como o time leva a bola até o ataque.

Lodi e Trippier com a camisa do Atléti — Foto: Getty ImagesLodi e Trippier com a camisa do Atléti — Foto: Getty Images

Lodi e Trippier com a camisa do Atléti — Foto: Getty Images

Por isso Lodi e Trippier foram escolhidos à dedo. Com eles, o time está cada vez mais direto, chega na área em apenas três toques – goleiro para zagueiro, zagueiro para meia e meia invertendo a bola para o lateral do outro lado. Se vai finalizar a bola ou não, depende de muitos fatores. Mas com muito fôlego e muitas influências de basquete e handebol, Simeone reafirma seu ciclo no clube espanhol – o Cholismo é muito mais do que futebol defensivo e “cojones”.

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