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Ciclos, alimentação e controle da minutagem: os conceitos por trás do rodízio de Dome no Flamengo

Por Felipe Schmidt e Fred Huber — Rio de Janeiro

O rodízio implantado por Domènec Torrent no Flamengo gerou debate nos últimos dias. A última decisão que provocou burburinho foi deixar Gabigol no banco de reservas contra o Fortaleza – o atacante entrou no segundo tempo e marcou o gol da vitória. O treinador, porém, se mantém firme na filosofia e acredita que esta é a melhor forma de gerir um elenco farto que terá maratona de jogos até o fim da temporada.

O conceito de Dome é calcado em questões científicas, não apenas técnicas e táticas. O objetivo é ter todos os jogadores em boas condições físicas na parte mais decisiva da temporada. Algo que seu antecessor, Jorge Jesus, lamentou após a final do Mundial de Clubes, contra o Liverpool.

– Conseguimos controlar ao máximo aquela equipe do Liverpool, sabendo que uma equipe tinha 80 jogos e a outra tinha 27. Se nós tivéssemos 27 e eles 80, seríamos nós os campeões do mundo – disse o Mister na época.

Domènec Torrent conversa com Marcio Tannure, chefe do departamento médico do Flamengo — Foto: Alexandre Vidal / Flamengo

Domènec Torrent conversa com Marcio Tannure, chefe do departamento médico do Flamengo — Foto: Alexandre Vidal / Flamengo

As comparações entre Domènec e Jorge Jesus são frequentes e nem sempre produtivas, mas aqui é preciso ter uma ressalva: o elenco atual do Flamengo oferece muito mais opções do que o disponibilizado ao português em 2019. No clube, o entendimento é que Jesus só não rodou mais seu plantel porque não tinha tantas opções.

A minutagem

Voltemos a Dome. Sem tempo para treinar e com um calendário sufocante, o técnico logo adotou sua ideia de rodar os jogadores. O objetivo não é apenas prevenir lesões e administrar o desgaste dos jogadores, mas sim também dar rodagem a outros menos utilizados.

O entendimento é de que aqueles que jogaram menos na temporada podem apresentar desgaste maior quando utilizados do que os que atuam com mais frequência. Com um rodízio maior, a tendência é equiparar os níveis dos atletas. Isso é feito também a partir da carga de treinamentos, não apenas dos jogos.

Thiago Maia em treino do Flamengo — Foto: Alexandre Vidal / Flamengo

Thiago Maia em treino do Flamengo — Foto: Alexandre Vidal / Flamengo

Para começar, o treinador estabeleceu um controle de minutagem. Grosso modo, quando um atleta atinge o número de corte, é poupado, independentemente do seu nível de desgaste.

Outro fator a ser levado em conta é o desgaste em si: cada jogador reage de uma forma, e pode acontecer de um atleta chegar a um nível elevado de fadiga com menos minutos. As informações são passadas pelo departamento médico do Flamengo e analisadas por Dome antes da tomada de decisão.

– Tenho muita confiança no Marcio (Tannure, chefe do departamento médico), sempre conversamos, mas ao final decide o técnico. Muitas vezes temos informações, falamos com os jogadores se estão ou não cansados… Não é o mesmo jogar a cada três dias do que a quatro dias. Podemos repetir escalação, mas o rendimento não vai ser o mesmo. Quando chegarem os jogos importantes, de Libertadores, semifinais, finais, vão jogar os melhores. Não os nomes – disse Dome recentemente.

Ao todo, Dome já utilizou 26 jogadores nas oito primeiras rodadas do Campeonato Brasileiro, e apenas três estiveram em campo em todas elas: William Arão, Rodrigo Caio e Everton Ribeiro. O zagueiro é o único que foi titular em todas.

Rodrigo Caio foi substituído apenas no clássico com o Botafogo, aos 18 do segundo tempo, por causa de uma lesão na coxa esquerda. O zagueiro se recuperou rápido e atuou na rodada seguinte, uma semana depois, contra o Santos.

Arão e Everton Ribeiro só não foram titulares em uma partida, contra o Santos. Mas ambos entraram durante a segunda etapa. Mas Everton ficou menos tempo até agora em campo, já que foi substituído em quatro jogos, e Arão, nenhuma vez.

– É complicado jogar a cada três dias. Pela minha experiência nos últimos 11 anos, fizemos esse rodízio. Vão jogar todos. Nosso elenco é equilibrado. Ninguém é mais importante do que o grupo. Ninguém vai jogar todos os jogos. Nem Rodrigo, nem Filipe… porque não vão estar 100% – disse Dome.

O ranking de minutos do Flamengo

Jogador Posição Jogos Minutos
Rodrigo Caio Zagueiro 8 693
Willian Arão Volante 8 656
Filipe Luis Lateral 7 630
Everton Ribeiro Meia 8 568
Gabigol Atacante 7 552
Léo Pereira Zagueiro 6 540
Arrascaeta Meia 7 520
Bruno Henrique Atacante 6 495
Gerson Volante 6 480
Diego Alves Goleiro 5 415
Pedro Atacante 7 242
Gustavo Henrique Zagueiro 3 225
Michael Atacante 4 203
Renê Lateral 3 191
Gabriel Batista Goleiro 2 180
Thiago Maia Volante 3 178
Isla Lateral 3 177
João Lucas Lateral 2 145
Pedro Rocha Atacante 3 134
Diego Meia 5 132
Cesar Goleiro 2 123
Vitinho Atacante 5 117
Matheuzinho Lateral 2 108
Thuler Zagueiro 2 33
Lincoln Atacante 2 28

Os ciclos de treinos

Pequenos detalhes também fazem a diferença. Um conceito reforçado pelo treinador é o de ciclos de treinamento. De acordo com estudos, o ápice do desgaste de um jogador ocorre 48 horas após uma partida. Por isso, o clube passou a dar folga a seus jogadores neste período.

Antes do jogo com o Fluminense, por exemplo, o elenco atuou no sábado diante do Fortaleza, treinou no domingo, folgou na segunda e treinou nesta terça.

Um pequeno ciclo de três dias limita as possibilidades de recuperação física dos jogadores, pois os jogadores acabam tendo de treinar no ápice do desgaste. Isso aumenta a necessidade de rodar o elenco. Com quatro dias de treino, é possível dar esta folga e aumentar o descanso dos jogadores.

Gabigol domina a bola durante treino do Flamengo — Foto: Alexandre Vidal / Flamengo

Gabigol domina a bola durante treino do Flamengo — Foto: Alexandre Vidal / Flamengo

Alimentação tem papel importante

A alimentação também é levada em conta nesta recuperação. Prática já comum no Flamengo é a refeição feita ainda no vestiário após uma partida. Os treinos no dia seguinte aos jogos também servem para controlar esta questão, com os atletas no Ninho do Urubu, e poder repor os índices de glicogênio, fundamentais para a performance.

No livro “Guardiola Confidencial”, de Marti Perarnau, o preparador físico Lorenzo Buenaventura, que trabalhou com Dome no Bayern de Munique, explica a importância da recuperação:

– Estudos médicos feitos na Itália demonstram que a recuperação após cada partida depende da alimentação do atleta. Assim, no terceiro dia após o jogo, quando se alimentou bem, o jogador recuperou 80% do glicogênio dos músculos. Somente 80%! Imagine se ele se alimentou mal… E depois de quatro jogos consecutivos em ciclos de três dias, o risco de lesão aumenta 60%. (…) Por isso, é importante ter um elenco completo que permita, de vez em quando, deixar alguém de fora de uma partida e lhe dar um pequeno ciclo de cinco dias de treinos – disse Buenaventura.

O Flamengo, porém, ainda se adapta à metodologia de Dome. Há, por exemplo, um grupo de WhatsApp do treinador e seus auxiliares com membros do departamento médico, para que possam trocar informações e ajustar a integração no trabalho diário.

Com rodízio, o Flamengo se prepara para entrar em campo nesta quarta-feira. O compromisso é contra o Fluminense, às 21h30 (de Brasília), no Maracanã, pela nona rodada do Campeonato Brasileiro.

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