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Após 10 anos do Caso Eloá, Justiça condena Estado de SP a indenizar Nayara em R$ 150 mil

Por Glauco Araújo e Kleber Tomaz*, G1 SP — São Paulo


Nayara Rodrigues da Silva, estudante que sobreviveu ao sequestro, chega ao Fórum de Santo André, no Grande ABC, na manhã desta segunda-feira (13). — Foto: Nelson Antoine / Foto Arena / Agência EstadoNayara Rodrigues da Silva, estudante que sobreviveu ao sequestro, chega ao Fórum de Santo André, no Grande ABC, na manhã desta segunda-feira (13). — Foto: Nelson Antoine / Foto Arena / Agência Estado

Nayara Rodrigues da Silva, estudante que sobreviveu ao sequestro, chega ao Fórum de Santo André, no Grande ABC, na manhã desta segunda-feira (13). — Foto: Nelson Antoine / Foto Arena / Agência Estado

A Justiça de São Paulo condenou, neste ano, o governo do estado a pagar indenização de R$ 150 mil por danos morais, materiais e estéticos a Nayara Rodrigues da Silva, de 25 anos, sobrevivente do sequestro que terminou com a morte da sua melhor amiga, Eloá Cristina da Silva Pimentel, em outubro de 2008, em Santo André, no ABC Paulista.

O entendimento do Tribunal de Justiça (TJ) é de que a Polícia Militar (PM) colocou Nayara em risco. Ela foi baleada no rosto, teve ossos da face fraturados e passou por cirurgias de reconstrução (saiba mais abaixo). Como cabe recurso, esse valor ainda não foi pago a estudante. O caso Eloá completa dez anos neste próximo sábado (13).

As duas vítimas tinham 15 anos à época quando foram feitas reféns por Lindemberg Alves Fernandes num apartamento em 13 de outubro de 2008. O entregador de pizzas estava armado e queria reatar o romance com Eloá, sua ex-namorada. Ele tinha 22 anos na ocasião. (veja vídeo abaixo).

Nayara chegou a ser solta por Lindemberg em 14 de outubro de 2008, mas dois dias depois voltou ao cativeiro por orientação da Polícia Militar (PM) para tentar resgatar Eloá. Não deu certo e ela acabou sendo feita novamente refém juntamente com a amiga.

Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) explodiu uma bomba e invadiu o local no dia 17 de outubro de 2008, após escutar o que seria um tiro, prendendo Lindemberg. Na verdade era o barulho de umamesa. Antes da entrada da PM, o sequestrador ainda conseguiu balear Nayara, que sobreviveu, e deu dois tiros em Eloá, que morreu.

10 anos do caso Eloá

10 anos do caso Eloá

Justiça

Em sua decisão conhecida em setembro deste ano, o desembargador Evaristo dos Santos, da seção de direito público do Tribunal de Justiça de São Paulo, manteve decisão anterior, de 2017, do também desembargador Kleber Leyser de Aquino, relator da 3ª Câmara de direito público do TJ.

O entendimento deles é de que o estado tem de ser responsabilizado a pagar indenização a Nayara. Em outras palavras, para os magistrados, a jovem foi colocada em risco pela Polícia Militar, força de segurança pública estatal. Além disso, os agentes públicos tiveram “culpa” pelos ferimentos que ela sofreu.

“Nesse contexto, em relação às situações futuras, a aplicação dos índices (…) é legítima”, escreveu o desembargador Evaristo dos Santos sobre o cálculo da indenização.

“Dessa maneira, comprovada exaustivamente não só a condutados policiais militares, mas, mais que isso, a culpa patente dos referidos agentes estatais, que resultou nos ferimentos (danos) provocados na segunda apelante, como também o nexo causal entre os danos sofridos por esta e a referida conduta, razão pela qual, patente está o dever do Estado em indenizar a vítima”, escreveu o desembargador Kleber Aquino a respeito da responsabilidade do Estado.

As amigas Eloá Pimentel e Nayara Rodrigues em foto antes do sequestro em 2008 que tirou a vida da primeira e feriu a segunda  — Foto: Reprodução/Arquivo pessoalAs amigas Eloá Pimentel e Nayara Rodrigues em foto antes do sequestro em 2008 que tirou a vida da primeira e feriu a segunda  — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

As amigas Eloá Pimentel e Nayara Rodrigues em foto antes do sequestro em 2008 que tirou a vida da primeira e feriu a segunda — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

PGE recorre

Procurada pelo G1 para comentar o assunto, a assessoria de imprensa da Procuradoria Geral do Estado (PGE), que defende os interesses do governo paulista, informou que recorreu da decisão do TJ ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília.

“O estado interpôs recurso especial contra o acórdão e aguarda julgamento (sem data definida)”, informa a nota da Procuradoria. Neste caso, o objetivo do estado é o de reduzir o valor da indenização ou conseguir sentença negando a necessidade de pagamento indenizatório.

O TJ representa a segunda instância da Justiça e o STJ, a terceira. Até a publicação desta reportagem o Superior Tribunal de Justiça ainda não havia analisado o recurso.

Nayara não foi encontrada para comentar o assunto. Familiares e os advogados dela informaram ao G1 que ela não vai dar entrevistas sobre o ocorrido. A reportagem falou com um parente dela, que comentou que a jovem estuda engenharia e não deu mais detalhes. Há dez anos, o sequestro foi transmitido ao vivo pela imprensa.

Segundo a defesa de Nayara, a última decisão do TJ sobre o pedido de indenização manteve a elevação do valor em R$ 150 mil. “Na verdade teve a decisão de primeira instância, já no valor de R$ 100 mil. A defesa obteve sucesso com o recurso elevando o valor da indenização R$ 50 mil”, disse a advogada Cristiane Tomaz à reportagem.

Fim do processo

Já a família de Eloá não conseguiu uma indenização do governo de São Paulo pela morte da adolescente.

Em 2016, o Tribunal de Justiça de São Paulo negou indenização no valor de R$ 800 mil que os parentes de Eloá cobravam do estado.

O advogado Ademar Gomes, que defendeu os interesses dos pais de Eloá, o casal Ana Cristina Pimentel e Everaldo Pereira dos Santos, alegava que a adolescente morreu em decorrência da invasão da Polícia Militar ao apartamento onde ela era mantida refém com Nayara.

Ademar Gomes entrou com recurso no Superior Tribunal de Justiça contra a decisão do TJ, que negou o pedido de indenização. Mas o STJ não analisou analisou o mérito do recurso, devolvendo o processo ao Tribunal de Justiça de São Paulo.

“Ainda que superado o óbice processual, o exame do recurso especial demandaria incursão na seara probatória dos autos, o que não é possível tendo em vista a orientação fixada pela Súmula 7 do STJ”, escreveu o ministro do STJ Og Fernandes em sua decisão de devolver o processo ao TJ.

De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, desse modo, o processo é considerado já transitado em julgado. Sendo assim, não cabe mais nenhum tipo de recurso.

“Não existe mais o processo”, disse o advogado Ademar Gomes ao G1.

Everaldo Santos, pai de Eloá — Foto: Reprodução/GlobonewsEveraldo Santos, pai de Eloá — Foto: Reprodução/Globonews

Everaldo Santos, pai de Eloá — Foto: Reprodução/Globonews

Pai de Eloá

Durante o sequestro que durou mais de 100 horas em Santo André, outro caso chamou a atenção da imprensa. Foi a revelação de que o pai de Eloá, Everaldo, era procurado da Justiça acusado de cometer assassinatos em Alagoas.

A descoberta ocorreu quando Everaldo passou mal ao ver a filha ameaçada por Lindemberg na janela do apartamento onde era mantida refém. Câmeras de TV filmaram o pai, que acabou reconhecido por policiais de Maceió como um dos suspeitos de pertencer à gangue fardada, grupo de extermínio formado por policiais militares.

Everaldo era cabo da PM e estava foragido da Justiça. Em São Paulo usava o nome falso de Aldo. Depois que se sentiu mal e foi levado ao hospital, o pai de Eloá fugiu. Foi preso em 2009 em Maceió.

Pai de Eloá — Foto: Reprodução/TV GloboPai de Eloá — Foto: Reprodução/TV Globo

Pai de Eloá — Foto: Reprodução/TV Globo

Depois ele foi condenado a 33 anos de prisão pelos crimes atribuídos a Everaldo no Nordeste. Posteriormente, foi solto em 2014 pelo Superior Tribunal de Justiça, que suspendeu a condenação até que sua defesa recorra da sentença. Desse modo, aguarda em liberdade as decisões judiciais sobre seu caso.

“O habeas corpus do STJ suspendeu a execução da pena e o regime de prisão, colocando-o para recorrer da sentença condenatória em liberdade”, afirmou o advogado de Everaldo, Thiago Pinheiro, ao G1.

“Eu sou inocente dessas acusações”, disse Everaldo à reportagem. Emocionado, se resumiu a dizer que os dez anos sem filha estão sendo muito “difíceis”.

A mãe de Eloá não foi localizada para comentar o assunto. Everaldo e Cristina continuam casados e morando juntos. Eles têm um filho. Segundo Thiago Pinheiro, o casal mantém a discrição de evitar se expor devido à repercussão do caso da filha.

Lindemberg será julgado por 12 crimes — Foto: Diogo Moreira/Futura Press/AELindemberg será julgado por 12 crimes — Foto: Diogo Moreira/Futura Press/AE

Lindemberg será julgado por 12 crimes — Foto: Diogo Moreira/Futura Press/AE

Lindemberg

A reportagem entrou em contato com a defesa de Lindemberg, feita pelo advogado Fabio Tofic Simantob, que pediu para o G1 voltar a contatá-lo para comentar o assunto. Entretanto, ele não atendeu mais as ligações.

Lindemberg foi condenado a mais de 90 anos de prisão pelo assassinato da ex-namorada, e por mais 11 crimes cometidos durante o sequestro. Ele confessou ter atirado nas reféns, mas alegou que disparou após se assustar com a explosão da bomba pelo Gate. Posteriormente, a Justiça reduziu sua pena para 39 anos. Ele está preso em Tremembé, interior paulista.

Pela lei, ninguém pode ficar mais de 30 anos detido. Segundo o Ministério Público (MP), Lindemberg poderá pedir progressão do regime fechado para o semi-aberto a partir de 2022.

*Colaboraram Paulo Toledo Piza e Paula Paiva Paulo, do G1 SP; Jeferson Ferreira e Fábio Lúcio, do Acervo TV Globo SP

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