Os dois laterais tiveram papéis muito diferentes: Guga jogou como um meio-campista e Fábio Santos fez uma espécie de terceiro zagueiro quando o time tinha a posse de bola
Reprodução/Leonardo Miranda
É melhor já ir se acostumando: Jorge Sampaoli não repete escalação, muda o esquema de um jogo para outro, mexe com o vestiário e fala o tempo todo em organização e estrutura. Uma “loucura” que foi vista já na estreia: o empate de 1 a 1 com o América-MG . Os dois laterais do Galo, Fábio Santos e Guga, fizeram de tudo no jogo. Só não foram laterais!
Como quer que o Galo tenha sempre a posse de bola, jogue a partir do goleiro e chegue muitas vezes no gol, o time se organizou para dar suporte a Rafael com uma linha de três jogadores na sua frente. Ao contrário da maior parte dos times, que tem um volante vindo buscar a bola entre os zagueiros, essa linha de três tinha Fábio Santos no lado esquerdo. Logo na frente, uma outra linha com Allan e Guga, que ficavam próximos do círculo central.
Rafael tinha Réver, Alonso e Fábio Santos na sua frente quando jogava com os pés — Foto: Reprodução/Leonardo Miranda
Existe uma diferença entre função, posição e entendimento de jogo. Posição é o que o jogador está mais acostumado a fazer em campo. Função é o papel que ele terá dentro do jogo. E entendimento é simplesmente jogar sem amarras, fazendo o que o jogo pede. Sampaoli não improvisou Guga e Fábio Santos. Ele encaixou os dois em funções que poderiam explorar o potencial técnico e o talento de cada um:
- Mesmo sendo lateral, Fábio não precisava se deslocar tanto em campo fazendo essa linha de três zagueiros. Conseguia usar sua inteligência e controle de bola a favor do time e dava espaço para que alguém com maior explosão física ficasse no meio-campo.
- Guga é um lateral de explosão e bom toque de bola. Sabe fazer tabelas. No meio ele tem mais opções de passe para jogar curto e abria espaço para Savarino, um ponta mais tradicional, ficar aberto na direita.
Isso só acontecia com a bola. Na defesa, Guga e Fábio Santos eram laterais “laterais” mesmo: fechando a linha de quatro.
Guga e Fábio Santos fechavam uma linha de quatro defensores quando o Galo defensia — Foto: Reprodução/Leonardo Miranda
Deu certo: foi um primeiro tempo de imposição. Com Fábio de terceiro zagueiro e Guga por dentro, o Galo ganhava poder de retenção de bola pelo meio do campo. Conseguia jogar rápido e tinha Allan como dono dos lançamentos para o ataque. Quase 70% de posse de bola, vários chutes no gol. O América-MG não conseguiu chutar direito. O objetivo de Sampaoli – ter o domínio do jogo a partir da posse de bola – foi cumprido.
Jorge Sampaoli, do Atlético-MG — Foto: Twitter Atlético-MG
A dinâmica: circular a bola pelo meio e liberar os pontas abertos
A nova função dos “laterais” permitiu que o time ocupasse o campo de ataque com cinco jogadores: Savarino e Marquinhos bem abertos, Nathan, Hyoran e Marrony se movimentando perto dos zagueiros. É um 3-2-5 bem nítido, como Sampaoli deseja. Não é algo que tira a mobilidade do time: todo mundo pode trocar de posição, desde que o resto do time esteja na estrutura.
Na imagem abaixo é Hyoran que faz a função de ponta aberto e Savarino se desloca. O desenho é o mesmo.
Galo fazia um 3-2-5 com a posse de bola — Foto: Reprodução/Leonardo Miranda
Na imagem aberta fica claro o 3-2-5 do Galo. Veja o espaço que Savarino e Marquinhos têm para jogar. Quando acionados em campo aberto, sem marcadores por perto, podem correr com a bola para frente e fazer uma jogada de linha de fundo. Eles têm certeza de que vai ter gente para aproveitar o cruzamento, já que três jogadores do Galo estão encurralando dois zagueiros. Guga e Allan podem chegar de trás. É exatamente como o Santos fazia, com Sánchez infiltrando e Soteldo e Marinho fazendo esse lado de campo.
Atlético-MG se organizava num 3-2-5 com a posse de bola — Foto: Reprodução/Leonardo Miranda
Fixar marcadores e abrir espaço: a lógica do Jogo de Posição
Sampaoli não está copiando o esquema do Santos no Galo. Ele apenas coloca sua filosofia, sua visão de futebol aos jogadores. Tem nome e sobrenome: Jogo de Posição. Nascida lá na Holanda de 1974, aperfeiçoada por Stefan Kovacs no Ajax e Juanma Lillo, esse tipo de futebol é diferente do que vemos aqui no Brasil e só ganhou o mundo a partir de 1997, quando Louis van Gaal e José Mourinho criaram uma metodologia para fazer o time jogar sempre assim.
O 3-2-5 não acontece porque Sampa acha bonitinho, porque é estrangeiro ou quer ter a posse de bola. É uma estrutura com um único objetivo: desorganizar o rival e abrir espaço fixando e atraindo marcadores.
O Galo saía com três jogadores e o América-MG tinha dois atacantes para incomodar a saída de bola. A conta não fecha. O camisa 7 do América era constantemente atraído por Réver no lado direito e abria um espaço na linha de meio-campo deles. Como Guga estava na posição de centro, ele ficava sem marcação para receber a bola, como aqui.
Atacante do América-MG avança para marcar Réver e deixa Guga livre — Foto: Reprodução/Leonardo Miranda
Mais do que ficar livre, Guga tinha um papel tático fundamental: fixar oponentes. Como a saída de três chamava o ponta do América, Guga e Allan conseguiam atrair os dois volantes e o ponta do lado oposto. São dois jogadores prendendo três. Marrony, Nathan e Hyoran ficavam por dentro. Rápidos e dinâmicos, eles não podiam ficar sozinhos, então a linha de defesa toda do América-MG ficava presa neles.
Quem sobra nessa contra é Marquinhos e Savarino. Livres e com espaço, foram os mais acionados no primeiro tempo. Guga atraía o volante, Savarino recebia a bola e rapidamente prendia o lateral do América (imagem). Isso criava um espaço imenso para Guga e Nathan circularem e tabelarem entre si. Entendeu por que o Galo atacou tanto pela direita? Porque era onde as posições fixavam marcadores e abriam espaço. Por isso se chama Jogo de Posição: cada um tem um lugar em campo e um objetivo claro.
Três atacantes do Galo fixam a linha de defesa e abrem espaço para Savarino e Guga — Foto: Reprodução/Leonardo Miranda
Como é um início de trabalho, o Atlético-MG sentiu o ritmo. O Coelho avançou a marcação, empatou com justiça e criou muitas chances. Ninguém melhor do que Lisca para explicar as modificações táticas que neutralizaram o time de Sampaoli:
No segundo tempo, a entrada do João Paulo fez a gente ajustar o lado esquerdo, criando mais jogadas perigosas por ali. Paramos de deixar eles iniciarem o jogo com Allan, Réver e Júnior (Alonso). Pressionamos com os atacantes e sufocamos eles. Entre as linhas estávamos bem posicionados, anulando qualquer chance deles saírem para o ataque. Creio que a diferença dos primeiros 30 minutos, para os outros 60 minutos, foi impactante para a nossa melhora tática. Estamos variando o esquema tático, até para não ficar muito preso a um só sistema. Já foi uma resposta bem interessante do grupo.
O primeiro tempo ainda é de manual. Uma amostra da loucura e ofensividade de Jorge Sampaoli. Pode se preparar: o time vai ser sempre diferente, com mudanças malucas que você só entende vendo o jogo. Como Fábio Santos e Guga de laterais de “mentirinha” num time que promete ser muito interessante na temporada.