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PF do Amazonas sabia desde 2015 de ameaça de massacre

Polícia Federal desmente ministro da Justiça.

Informações de que as mortes poderiam ocorrer constam de um relatório de mais de 600 páginas

Vista geral do cemitério de Tarumã, em Manaus, onde serão enterrados os 60 presos mortos nas rebeliões do início do ano em dois presídios da capital amazonense – 

MANAUS, BRASÍLIA, RIO E SÃO PAULO — O massacre nos presídios de Manaus na virada do ano, que terminou com 60 presos mortos e a fuga de 184 detentos, poderia ter sido evitado. O plano de criminosos da facção amazonense Família do Norte (associada ao grupo carioca Comando Vermelho) de eliminar presos supostamente ligados à facção paulista Primeiro Comando da Capital (PCC) era de conhecimento da Polícia Federal do Amazonas desde outubro de 2015. Somente na segunda-feira à tarde, depois do massacre, o Ministério da Justiça, ao qual a PF está subordinada, anunciou a liberação de recursos para a transferência de detentos para presídios federais.

As informações de que as mortes poderiam ocorrer constam de um relatório de mais de 600 páginas, com cerca de 800 mil mensagens e chamadas telefônicas de criminosos interceptadas pelos policiais federais. O documento tem trechos de conversas do chamado núcleo central da facção amazonense, em que é revelado o propósito de eliminar “todos os membros da facção paulista que se encontravam presos em Manaus”.

No dia 19 de outubro de 2015, todo o material foi encaminhado à 2ª Vara Federal do Amazonas pelo delegado federal Rafael Machado Caldeira, da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (Drcor), da PF do Amazonas. O material foi usado como base para a deflagração da Operação La Muralla, no final de 2015, levando à denúncia e à expedição de 127 mandados de prisão. Todos acusados de tráfico de drogas, armas, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, assassinatos e torturas.

O delegado Rafael Machado Caldeira disse ao GLOBO que algumas lideranças chegaram a ser transferidas naquela ocasião para presídios federais ou permaneceram no Amazonas cumprindo penas em regime disciplinar diferenciado (RDD). Ele reconheceu que muitos líderes da facção voltaram depois para Manaus ou deixaram de cumprir o RDD.

— Por que nada foi feito? Eu não sei. Eu não gostaria de falar sobre as responsabilidades de outras instituições — afirmou.

O delegado não informou se os dados foram repassados ao governo do Amazonas. O secretário de administração penitenciária do Amazonas, Pedro Florêncio, negou saber das informações do relatório da Polícia Federal.

— A PF trabalha com inteligência e com investigações sigilosas. A polícia nunca deu e nem levou nenhuma informação com esse caráter para a Secretaria de Administração Penitenciária — disse Florêncio, que é agente licenciado da PF e que assumiu a pasta em 1º de outubro de 2015. Pouco mais de um mês após a chegada de Florêncio, a PF deflagrou a operação La Muralla, que transferiu 16 lideranças de presos de Manaus para presídios federais de Mossoró (RN), Catanduva (SP) e Campo Grande (MT).

Nesta quarta-feira, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, disse que a Secretaria de Segurança do Amazonas já sabia que detentos planejavam uma fuga entre o Natal e o Ano Novo. Ele afirmou que o estado reforçou o monitoramento no presídio, mas não solicitou ajuda. A secretaria estadual admitiu que houve falhas na segurança do complexo.

— Não foi solicitado nenhum auxílio, seja da Força Nacional, seja de qualquer outro mecanismo — disse o ministro. — Uma série de erros ocorreu. Se as armas entraram, houve falha da fiscalização daqueles que devem tomar conta da entrada do presídio. Se celulares entraram, também foi por falha da administração. Se bebidas entraram, da mesma forma.

O governo do Amazonas confirmou na tarde de ontem que vinha monitorando ações de facções criminosas dentro e fora dos presídios do estado desde o início do ano passado. Em nota divulgada pelo governo, o secretário estadual de Segurança Pública, Sérgio Fontes, relata que “a questão do fato ocorrido não se tratou de apenas uma ameaça de fuga ou rebelião, já que os presos planejavam matar os rivais e assim o fizeram, antes da polícia chegar ao local”.

Palnos de execução eram conhecidas desde 2015, segundo relatório da PF – Editoria de Arte

Apesar de a Secretaria de Segurança do Amazonas afirmar que houve reforço no monitoramento do complexo penitenciário, a Associação dos Praças do Estado do Amazonas (Apeam) informou nesta quarta-feira que apenas três PMs faziam a segurança na muralha do Compaj.

Também nesta quarta, a divulgação de um vídeo feito por um PM na véspera do Natal no complexo e de um documento apresentado pela Apeam mostraram que presos comemoraram a data com festa, embalada por funk. A confraternização contou com mulheres de presos, autorizadas a passar a noite no presídio, e se repetiu na virada do ano.

Segundo o “Jornal Nacional”, a Umanizzare, empresa terceirizada que administra o presídio, informou ao governo do Amazonas em documento que a liberação das visitas colocaria em risco a segurança da cadeia.

O relatório da Operação La Muralla mostra que a Família do Norte se associou ao Comando Vermelho (que comanda presídios e favelas no Rio) depois que lideranças do crime no Amazonas foram levadas ao presídio federal de Campo Grande. Além de estatuto e divisão de tarefas, o grupo teria uma linha direta com barões das drogas na Colômbia e no Peru. Segundo a PF, grandes remessas de recursos atravessam a tríplice fronteira (Brasil, Colômbia e Peru) todos os dias.

A droga chega ao Brasil escondida em embarcações e iates pelo Rio Solimões para ser distribuída na região Norte.(Colaboraram Carolina Brígido, João Carlos Silva e Alírio Lucas)

 

 

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