Paralisada, Odebrecht perde o bonde da Lava-Jato

Falta pouco menos de um mês para que se atinja um marco na história brasileira. No dia 19 de junho, o empresário Marcelo Ode­brechtcompletará um ano preso na carceragem federal de Curitiba. É verdade que o Brasil anda fértil em se tratando de situações fora do normal — ejetar, numa só semana, o presidente da Câmara e a da República é prova de que os tempos são mesmo diferentes.

O executivo Marcelo Odebrecht, preso na Operação Lava Jato

Mas nada disso deve diminuir o assombro diante do que acontece em Curitiba — o presidente e herdeiro do até outro dia mais poderoso grupo empresarial do país simplesmente não consegue sair da prisão. Marcelo Ode­brecht é o único executivo de alto escalão das grandes empreiteiras do Brasil investigadas na Operação Lava-Jato que continua preso.

Desde o início da operação, quase 50 pessoas assinaram acordos de delação premiada. Concorrentes da Odebrecht já acertaram o pagamento de 3 bilhões de reais em indenizações aos cofres públicos, criaram departamentos de controle de riscos, renegociaram dívidas e venderam empresas bilionárias para aliviar sua situação financeira.

Andrade Gutierrez chegou ao extremo de, obrigada pelo juiz Sergio Moro, publicar um anúncio nos jornais em que, ajoelhada no milho, pedia desculpas por tanta corrupção. Todo mundo, em suma, se mexeu de algum jeito. Mas a Odebrecht destoa. Passado esse tempão, a empresa parece paralisada.

Seu presidente foi condenado a 19 anos de prisão e segue preso — mas essa é apenas a parte mais visível do que parece ser uma crônica incapacidade de lidar com a crise criada pela Lava-Jato. A paralisia parece ser fruto de uma arrogância que hoje cobra seu preço. A Odebrecht entrou na espiral da Lava-Jato com uma dívida de quase 100 bilhões de reais e receita estagnada.

Já não seria uma combinação animadora em condições normais, mas era impossível disfarçar o potencial daninho para um grupo assolado por acusações gravíssimas de corrupção.

Os credores se arrepiaram, pedindo uma atitude rápida, mas a empresa afirmou que estava tudo sob controle — ia alongar a dívida das empresas em pior situação, preservar um gordo colchão de 25 bilhões de reais em caixa, provar inocência e sair dessa numa boa. Sua reação pública à Lava-Jato era anunciar, em comuni­ca­dos, o repúdio à condução da operação.

Foram pelo menos sete anúncios e notas divulgados em jornais desancando os res­ponsáveis pelas investigações e os veículos de comunicação que as divulgaram.

A Odebrecht chamou as apreen­sões de “desnecessárias e ilegais”, definiu as provas como “equívocos de interpretação de fatos”, declarou-se “profundamente perplexa e indignada” com “documentos vazados a conta-gotas, sem nenhum pudor”, pediu “bom senso das autoridades responsáveis pela investigação” diante de “flagrante ilegalidade e abusividade na rea­lização de investigações” e “afronta aos princípios mais básicos do estado de direito”.

Enquanto isso, as provas iam se avolumando. Falar grosso não serviu para muita coisa. Do ponto de vista prático, quase um ano depois da prisão de Marcelo, os problemas financeiros da Odebrecht se agravaram.

O grupo não conseguiu renegociar as dívidas das empresas mais encrencadas e pode ser obrigado a tirar 5 bilhões de reais de seu caixa para tentar resolver o problema da OdebrechtAgroindustrial, sua endividada unidade de açúcar e álcool. O grupo ainda não conseguiu sequer apresentar seu balanço consolidado, num lance que lembra a fase mais esdrúxula da crise da Petrobras.

A auditoria PwC, responsável pela checagem do balanço da Odebrecht Engenharia e Construção, empresa que fazia contratos com o governo, vem se recusando a carimbá-lo. A previsão era que o balanço fosse publicado até o final de abril — mas já se sabe que não sairá nem em maio.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *