Os armazéns do poder: o personalismo político

(foto: Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas)

Leyla Yurtsever, advogada, articulista e professora

 

 

Desde o seu descobrimento o Brasil vive uma realidade singular, onde o exercício do poder é personalizado, com características à la carte, servido e servindo a alguns poucos. De capitanias hereditárias concedidas aos nobres de confiança do Imperador de Portugal D. João e repassadas aos filhos, passando pelos coronelismos vividos em cada região do país, chega-se ao ápice dessa realidade cristalizada nos balcões da política. O termo balcões, neste caso é bastante apropriado, pois nos remete aos antigos armazéns que a tudo negociavam com as pobres almas miseráveis. Mas, ainda que passadas algumas décadas, os modernos armazéns de negócio continuam administrados por filhos, netos e bisnetos dos velhos coronéis.

Combater uma prática tão enraizada é um trabalho hercúleo. Nesses novos tempos, essas velhas práticas são modernizadas, remodeladas e, por fim, legalizadas. Na moderna arquitetura, velhos armazéns são substituídos por partidos políticos, onde qualquer insatisfação é causa e motivo não apenas para trocar de sigla partidária, mas fundar seu próprio partido. As razões são sempre as mesmas: incompatibilidade de ideologias, não associação com outros partidos, radicalização sobre temas controversos e outros. Assim, os partidos políticos funcionam como verdadeiras associações identitárias que se afirmam como defensoras de uma parcela exclusiva e quase cirúrgica da sociedade. Assim, temos partidos ecológicos, cristãos das mais variadas crenças, de causas negras e periféricas, de libertação nacional, da mulher e tantos outros. Esse esfacelamento político partidário é incompreensível e impraticável, pois como se definiria politicamente uma mulher negra morando na periferia e engajada em causas ambientais?

Já se sabe que no Brasil, o eleitor não vota em partido, mas no candidato, ainda que seu mandato pertença ao partido que o elegeu. Desfiliar-se pode significar a perda do mandato. Assim, proliferam os partidos políticos no Brasil que, tem por único objetivo personalizar o poder de quem o institui. Mas, como este não se faz de forma solitária, sempre haverá um séquito fascinado disposto a seguir um autoproclamado mito, até o surgimento de outro messias.

Ainda que falseadas, essas lideranças caudilhescas exercem um poder quase absoluto, projetando seu nome sobre as massas populares em discursos reacionários, mas que terminam por revelar sua natureza despótica.

O poder é assim instrumentalizado em favor próprio, que se adapta aos tempos, tendo por objetivo exclusivo perpetuar o monopólio do acesso a cargos políticos, acesso a terras, recursos públicos e mão-de-obra. Envoltos numa aura conservadora, moderna ou revolucionária, estão são apenas a pele de uma casta que personaliza o poder em propagandas e institucionais de governo.

Não se pode ignorar que a consolidação da democracia no Brasil, fez desaparecer a personalização do poder político, este, assim como os velhos armazéns, apenas se modernizaram, se transformaram em shoppings elegantes e adquiriram mais luminosidade e maior oferta de produtos. Tudo para encantar, ainda que brevemente, seus clientes. Mas, o balcão de negócios é o mesmo.

 

 

Leyla Yurtsever é advogada, articulista e professora. Sócia e fundadora do escritório jurídico Leyla Yurtsever Advogados Associados. Graduada em Direito. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pelo Ciesa; e em Direito Penal e Processo Penal pela Ufam. É Mestre em Gestão e Auditoria Ambiental pela Universidad de Leon (2006) – Espanha. Doutoranda em Direito pela Universidade Católica de Santa – Fé – UCSF. Foi coordenadora do Curso de Especialização em Direito Eleitoral da Universidade do Estado do Amazonas e do Núcleo de Prática Jurídica, neste último atua ainda como professora. Palestrante convida da Escola Judiciária Eleitoral – EJE/ AM. Coordenou e lecionou no Escritório Jurídico da UNIP e no Núcleo de Advocacia Voluntária – NAV – da Uniniltonlins. Professora da Universidade Federal do Amazonas e subcoordenadora do Núcleo de Prática Jurídica da UFAM/Direito. Foi professora do curso de Segurança Pública da UEA e a primeira mulher a ser professora de uma disciplina militar denominada “Fundamentos Políticos Profissionais” no Comando-geral da Polícia Militar. Atualmente é Assessora Jurídica Institucional da Polícia Militar do Amazonas.

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