O país do futebol: CBF concentra 57% de todo o dinheiro olímpico no Brasil

21 confederações dividem os 43% restantes, dos quais a maior parte é verba pública, e convivem com a dificuldade para investir em infraestrutura, competições e atletas

Carlos Arthur Nuzman, presidente do COB e do Comitê Organizador do Rio-2016 (Foto: Getty Images)

O Brasil é o país do futebol. A frase feita ainda tem sua razão. Não pelos embaraçosos resultados das Seleções Brasileiras de Luiz Felipe Scolari e Dunga, mas pela precarização de todos os outros esportes. No ano em que recebe os Jogos Olímpicos na cidade do Rio de Janeiro e sonha em ficar entre os dez países com mais medalhas, mesmo com a injeção de dinheiro público acentuada no governo da presidente afastada, Dilma Rousseff, o Brasil tem confederações olímpicas com orçamentos – e, portanto, investimentos – reduzidos.

Coloquemos de um modo gastronômico para o fácil entendimento de qualquer brasileiro. Se o dinheiro de todas as confederações juntas fosse uma pizza, a CBF (futebol) comeria sozinha quatro pedaços e meio. Um pedaço ficaria com a CBV (vôlei). As demais confederações brigariam para dividir os dois pedaços e meio restantes. As mais pobres, como a CBPM (pentatlo moderno) e a CBLP (levantamento de peso), digamos, disputariam por um pedacinho da azeitona.

Das 28 confederações olímpicas brasileiras, 22 faturam, juntas, R$ 907 milhões. As outras seis não publicaram suas demonstrações financeiras, apesar de o prazo legal ter expirado em 30 de abril e de terem sido cobradas por ÉPOCA. De um lado, há o futebol com R$ 519 milhões em receitas, seguido pelo vôlei com R$ 107 milhões. Do outro, o pentatlo moderno sobrevive com R$ 2,3 milhões e o levantamento de peso com R$ 2,7 milhões. São cifras que, no fim das contas, determinam quem tem chances de medalhas e quem não tem.

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Uma confederação tem de investir em infraestrutura, como em centros de treinamento, na organização de competições e em bolsas para atletas, três fatores fundamentais na hora de contar medalhas nos Jogos Olímpicos. Por isso a grana conta. Não que seja regra – a CBAt (atletismo) tem o quarto maior faturamento do país, mas tem menos chances do que a CBJ (judô) ou a CBHb (handebol) de pegar medalhas na Olimpíada do Rio. Mas a lógica é essa. Num país como os Estados Unidos, onde a formação de atletas é compartilhada com universidades, o tamanho das associações que organizam as modalidades importa menos. No Brasil, onde confederações têm o monopólio sobre o alto rendimento, dependemos só delas.

O dinheiro arrecadado é praticamente todo público. Deixemos a CBF de lado para não distorcer a realidade dos esportes olímpicos. Dos R$ 388 milhões que as 21 confederações conseguem, 50% vêm de patrocínios. E as maiores patrocinadoras são… estatais. BNDES, Banco do Brasil, Caixa, Correios, Infraero e Petrobras foram colocadas pelo governo de Dilma para investir em esportes olímpicos por meio de confederações. Outros 19% vêm de convênios feitos diretamente pelo Ministério do Esporte, 18% são repasses feitos pelo COB, o Comitê Olímpico Brasileiro, de dinheiro arrecadado via Lei Agnelo Piva com loterias federais. O grosso, portanto, tem origem estatal. Os 13% restantes vêm de raros acordos de direitos de TV, taxas e outros.

A origem pública – em tempos de crise econômica no país e, sobretudo, no governo – é um perigo. Assim que acabarem os Jogos do Rio, com as medidas de austeridade prometidas pelo governo interino de Michel Temer, os investimentos de empresas estatais viram incógnitas, assim como a verba do Ministério do Esporte.

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Gastar mais do que se arrecada, praxe entre clubes de futebol, também é recorrente entre as confederações. Nove das 21 fecharam 2015 com prejuízos. A de vôlei, apesar de ter o segundo maior faturamento do país, terminou o ano com R$ 24 milhões negativos, um dado que vai complicar as finanças nos anos seguintes.

“O grande problema é que as confederações tentam se vender a partir de resultados, mas elas entram em um ciclo vicioso: elas não têm dinheiro, não têm resultados, e por isso não conseguem dinheiro. O que elas vão vender? Tentam convencer empresas a patrocinar na base da exposição de marca, mas não têm mídia suficiente. As confederações têm de vender posicionamentos, valores intrínsecos dos esportes que podem ser associados a valores de patrocinadores, mas nenhuma está preparada para isso”, diz Idel Halfen, assessor de marketing da CBTri (triatlo) que já esteve do outro lado do balcão, como diretor de marketing da Brasil Telecom na década de 2000 e responsável por patrocínios a esportes e atletas olímpicos.

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A CBF não tem esses problemas. Amparada na popularidade internacional da Seleção, ganha com direitos de transmissão, com uma dúzia de patrocinadores da iniciativa privada e com as partidas amistosas. O superávit de meio bilhão de reais entre 2008 a 2015, como revelou ÉPOCA em maio, bancou a gastança em prédio, terrenos e até avião. Há R$ 227 milhões no caixa da confederação de futebol a título de “reserva financeira”. O resultado da concentração de recursos ficará claro nos Jogos Olímpicos: o futebol disputará no máximo duas medalhas, uma masculina e uma feminina, só uma fração das 30 medalhas que o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) calcula para a delegação brasileira na Olimpíada no Rio. Para um país que almejava se tornar uma- potência olímpica com o legado do megaevento, o sistema vigente está visivelmente quebrado.

Os faturamentos das confederações olímpicas em 2015 (Foto: Época )
FONTE: ÉPOCA

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