Michel Temer: o vice não é mais decorativo

Ausente de Brasília, discreto nas conversas e silencioso em público, ele se prepara para a possibilidade de colocar a faixa presidencial no peito

Com terno preto e gravata cáqui, a Constituição a sua direita sobre a mesa, o vice-presidente da República, Michel Temer, dá uma palestra sobre a evolução da democracia no Brasil. Sua fala está sendo filmada. O público final seriam os juristas presentes no Seminário luso-brasileiro de Direito Constitucional, realizado em Lisboa e patrocinado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, indisfarçável opositor dos governos petistas. Temer era um dos convidados de honra do evento, mas optou por permanecer no Brasil, articulando as decisões de seu partido. Enviou um vídeo para não fazer desfeita. Enquanto Temer levou 20 minutos para dissertar sobre a estabilidade promovida pela Constituição que ele ajudou a elaborar como deputado, a alguns quilômetros dali, o partido que ele preside, o PMDB, oficializava, em três minutos, o rompimento com a presidente Dilma Rousseff. “Posso dizer com a maior tranquilidade que as instituições de nosso país estão funcionando regularmente. O Executivo, o Legislativo e o Judiciário cumprem suas tarefas. O Judiciário, hoje, tem uma presença muito forte, muito significativa, que há de ser saudada por todos aqueles que se preocupam com o bom comportamento ético, político, administrativo. O Legislativo, de igual maneira, tem exercido suas funções com muita tranquilidade”, diz Temer, no vídeo, com sua hiperpronúncia dos erres. “Ao lado do estado de direito, que é um fenômeno jurídico, nós temos de ter um fenômeno político, que é o estado da paz.” Na terça-feira passada, o PMDB desembarcou do governo, deixando para trás seu capitão. Não para afundar. Mas para assumir o leme.

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Michel Temer comanda o maior partido do Brasil há 15 anos. Nos últimos cinco, acumulou a função de vice de Dilma. Desde dezembro do ano passado, quando divulgou a carta em que expunha sua mágoa e lamentava o papel de vice decorativo a que a presidente o tinha relegado, Temer trabalha nos silêncios e nas ausências para se desligar da petista. Para se viabilizar como seu sucessor sem eternizar-se como seu algoz. Quando a infame carta veio a público, muitos a consideraram infantil. Hoje, ela parece parte de uma estratégia. Neste ano, a crise econômica e política só se agravou. O impeachment de Dilma passou a ser uma possibilidade palpável. Temer antecipou-se, colocando-se numa posição distante e discreta o suficiente para esperar que a faixa presidencial caia em seu torso como que por força da gravidade. É parte de seu ardil. Temer não esteve inerte. Sua atuação é por detrás das portas. Em quase um mês, o vice-presidente não teve agenda pública oficial. Apenas conversas reservadas com políticos – grande parte delas em São Paulo, seu território. Sob o pretexto de se reeleger presidente do PMDB, Temer viajou para quase todos os Estados, na chamada “Caravana da União”. Aproveitou para falar com empresários e apresentar-se como melhor opção para a paz.

A maior virtude do vice é diametralmente oposta ao pior defeito da titular. Dilma nunca se dispôs a conversar, a politicar. Temer vive disso. De frases anódinas publicamente, que o tornam adaptável a qualquer cenário. E de barganhas nos bastidores, que o levam a, mesmo sem ser um político popular, pleitear a cadeira de presidente da República. Temer é o epítome do PMDB. Quase não se elegeu deputado em 2006 (entrou pelo quociente eleitoral) e, três anos depois, foi eleito presidente da Câmara pela terceira vez – o que o credenciou a vice de Dilma. Foi parar na Assembleia Constituintedepois de ter conseguido apenas a suplência em 1986, sua primeira eleição. Em 1992, assumiu a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, uma semana depois do massacre do Carandiru. Jurista e ex-procurador do Estado, Temer nunca brilhou, mas sempre esteve presente com destaque. Aos poucos, fiou-se como bom interlocutor, alguém sempre disposto a apagar incêndios – nunca gratuitamente, por óbvio. Seu primeiro biênio como presidente da Câmara, em 1997, veio com o apoio do governo de Fernando Henrique Cardoso. Em troca, parte expressiva do PMDB votou pela emenda da reeleição.

O PMDB desembarcou do governo, deixando para trás seu capitão. Não para afundar. Mas para assumir o leme

Temer tem uma elegância que geralmente falta a muitos líderes e ex-líderes do PMDB. Usufrui o fisiologismo característico do partido sem se lambuzar. A sobriedade lhe rendeu a alcunha de “mordomo de filme de terror”, dada pelo senador Antonio Carlos Magalhães, do então PFL, em um de seus memoráveis momentos de humor cruel. As entradas na testa e os lábios apertados e finos remetem ao Amigo da Onça, personagem da década de 1940. Temer é o PMDB palatável. Poucas denúncias colam nele. Na Operação Castelo de Areia, que investigou propinas pagas pela empreiteira Camargo Corrêa para a obtenção de contratos com o governo, seu nome era citado 21 vezes, entre 1996 e 1998, sempre ao lado de valores que somavam US$ 345 mil. A Castelo de Areia foi suspensa em 2010 pelo Superior Tribunal de Justiça. A Camargo Corrêa voltou a aparecer na Lava Jato: na casa de um dos executivos foi encontrada uma tabela impressa, com nomes por extenso e em letra de forma, que relaciona Temer a dois pagamentos de US$ 40 mil.

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Também na Lava Jato, o vice-presidente já apareceu em ao menos duas delações premiadas. O lobista Júlio Camargo disse que “havia comentários de que Fernando Soares era representante do PMDB, principalmente de Renan (Calheiros), Eduardo Cunha e Michel Temer. E que tinha contato com essas pessoas de ‘irmandade’”. Fernando Soares é o Baiano, principal operador do PMDB no petrolão. O senador Delcídio do Amaral disse que o vice foi responsável pela nomeação de Jorge Zelada para a diretoria da Área Internacional da Petrobras. Zelada foi condenado a 12 anos de prisão pelo que praticou na Petrobras. Por fim, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, reuniu indícios de que Temer recebeu R$ 5 milhões do dono da OAS, José Adelmário Pinheiro. Em uma troca de mensagens com Pinheiro, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, reclama que o empreiteiro deu dinheiro a Temer e não aos demais líderes do PMDB. Temer nega todas as acusações. O vice ainda enfrenta, junto com Dilma, o processo no Tribunal Superior Eleitoral, que investiga se dinheiro sujo do petrolão abasteceu a campanha de ambos.

Michel Temer e Dilma Rousseff (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

O telhado de vidro deixa Temer em uma posição desconfortável diante de parte da opinião pública. Quando o PMDB anunciou o rompimento com o governo na terça-feira, um tuitaço colocou#RenunciaTemer entre as hashtags mais usadas no mundo. Um dos questionamentos era: como um partido rompe com um governo e deixa o vice-presidente de brinde? Falso dilema: ao contrário de colegas que foram indicados para cargos, Temer foi eleito para o seu. Sua posição é legitimada pelo voto. O outro remete à instabilidade que um Temer recém-empossado, mas investigado pela Lava Jato, pode gerar. Ainda mais quando se leva em conta que seu sucessor seria, no caso, Eduardo Cunha, mais enrolado ainda. Nas últimas semanas, Temer passou pouquíssimo tempo em Brasília e muito tempo em São Paulo, longe da confusão. Como faz há mais de 30 anos, se esquiva de polêmica e denúncias – ainda mais agora, que está a poucos passos da faixa presidencial.

 

Fonte: Época

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