A gripe é mais séria do que a gente imagina

O pediatra David Greenberg, vice-presidente científico e médico-chefe do laboratório Sanofi Pasteur nos Estados Unidos, esteve no Brasil para um evento com pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Na reunião, ele apresentou resultados da experiência americana com a vacina quadrivalente da gripe, produzida pela farmacêutica que ele representa. Essa versão do imunizante protege contra quatro linhagens do vírus da cepa A (os subtipos H1N1 e H3N2) e da cepa B (os subtipos Victoria e Yamagata). Indicada a partir dos seis meses de vida, ela foi aprovada nos Estados Unidos em 2013 e chegou ao Brasil no ano passado. Na tarde do dia 30 de março, SAÚDE fez uma entrevista exclusiva com o médico, que falou sobre a importância da vacinação e os perigos subestimados da gripe — especialmente a H1N1, que parece vir com força no inverno de 2016.

Por que a gente precisa tomar vacina pra gripe todo ano? Não é possível ter uma injeção única?

Isso acontece porque existem diferentes subtipos de vírus da gripe que impedem uma versão única do imunizante. A superfície do vírus possui duas proteínas, a hemaglutinina (H) e a neuraminidase (N), que variam de acordo com a cepa. Daí, não é possível produzir uma vacina capaz de proteger contra todas. A Sanofi Pasteur e outras companhias da área trabalham atualmente em vacinas capazes de cobrir um maior espectro de subtipos. Mas as pesquisas ainda estão em andamento.

A vacina quadrivalente contra a influenza está disponível nos Estados Unidos desde 2013. Qual o diferencial dela?

Antes dos anos 2000, nós tínhamos duas cepas principais nas vacinas, que eram do tipo A. Só que, nos últimos 15 anos, as cepas de gripe do tipo B começaram a circular com maior frequência entre a população. Essas cepas são como famílias, ou linhagens de vírus da gripe. As vacinas anteriores protegiam contra o H1N1, o H3N2 [que são da cepa A] e apenas contra um subtipo da cepa B. A versão quadrivalente imuniza contra as duas cepas A e as duas cepas B, o Victoria e o Yamagata. Assim, ela permite a criação de anticorpos para um maior número de variações do vírus.

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Nos últimos dias, houve um aumento na preocupação sobre o H1N1 aqui no Brasil — inclusive, já tivemos 46 mortes confirmadas pela doença. Esse tipo de gripe é pior que os outros?

As diferentes cepas de gripe tendem a ser mais agressivas em grupos de pessoas distintos, o que é bastante curioso. Ninguém entende muito bem a razão disso. O H1N1, por exemplo, parece ser pior para adultos jovens, entre 18 e 34 anos. Neles, há maior perigo de a doença ser mais forte e, eventualmente, levar à morte. Isso já aconteceu na epidemia de 2009 e parece estar voltando. Na contramão, o H3N2 é pior para pessoas mais velhas, enquanto o H1N1 não costuma atacar muitas pessoas com mais de 65 anos.

Por que algumas cepas seriam mais perigosas para determinadas faixas etárias?

Deve existir algum motivo para isso, mas ainda não sabemos qual é. Pode ter algo a ver com o sistema imune. As pessoas mais velhas parecem desenvolver anticorpos para o H1N1. Isso explicaria porque ele não é tão agressivo nelas. Por mais que nossa imunidade tenha um papel, ela não explica completamente a questão. Como dissemos, o H1N1 ataca adultos jovens que geralmente são perfeitamente saudáveis. Para piorar, muitos deles pensam que gripe é uma coisa mais leve, de ficar na cama por dois ou três dias e depois voltar à rotina. Mas isso não é verdade. A gripe causa muitas mortes, inclusive de pessoas que estavam sem nenhum problema de saúde antes da infecção. Isso só reforça a importância de se vacinar todos os anos.

Alguns governos estaduais do Brasil estão antecipando a vacinação contra a gripe. Além disso, as próprias pessoas começaram a procurar pelo imunizante em clínicas privadas. Essa corrida é justificável?

Sim, é muito importante que todos sejam vacinados. O sistema de imunização brasileiro é um pouco diferente do que está estabelecido nos Estados Unidos. Mas devemos tomar a vacina, não importa o lugar. [Vale ressaltar que as vacinas que estão sendo distribuídas no momento não dispensam a imunização daqui alguns meses.]

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Nós tivemos uma epidemia de H1N1 em 2009. Devemos esperar por outra?

É muito difícil afirmar isso. De forma geral, nós conseguimos prever qual será a cepa mais forte no próximo período frio do ano. Mas dizer exatamente quando ela irá crescer é muito difícil. Em 2009, grande parte da população foi exposta ao H1N1 e desenvolveu anticorpos para a cepa. Mas a proteção imune enfraquece e vai embora ao longo do tempo. Os diferentes subtipos de gripe trabalham em ciclos. A mesma cepa não consegue circular no ano seguinte porque a maioria das pessoas já foi exposta a ela. Mas, depois de algum tempo, o sistema de defesa “desaprende” a combater aquela linhagem. Essa queda na imunidade é o que nos faz indicar a vacina todos os anos. O imunizante do ano passado não será efetivo na temporada atual.

Teremos boas notícias sobre novas vacinas para a gripe nos próximos anos?

Sim. A própria chegada da vacina quadrivalente já é um avanço, pois ela protege contra duas cepas do tipo A e duas cepas do tipo B. Além dela, há pesquisas em andamento para versões que oferecem uma proteção ampliada. Nós demoramos de seis a oito meses para produzir o lote de vacinas para a próxima temporada. Só que, nesse meio tempo, o vírus que está circulando em maior quantidade pode sofrer pequenas mudanças e enfraquecer a eficácia da vacinação. O objetivo futuro é evitar isso e criar um produto ainda mais efetivo para a população. Nos Estados Unidos, a Sanofi já fabrica vacinas de gripe específicas para idosos, que possuem um grau de eficácia maior nessa população. Nossa ideia é expandir esse imunizante para outros países do globo.

Você acha que as pessoas deveriam encarar a gripe com mais seriedade?

Muitos ainda imaginam a gripe como uma simples infecção do trato respiratório superior, que afeta apenas o nariz e a garganta, como um resfriado. Mas ela pode descer para os pulmões e causar pneumonia. A população não entende que o vírus circula por todo o corpo e gera uma resposta inflamatória do organismo. Isso, para quem tem doenças crônicas, como problemas cardíacos e diabete, pode deixar tudo pior e prejudicar até o efeito dos medicamentos. Porém, mesmo pessoas saudáveis podem pegar gripe e, algumas semanas depois, morrer de infarto. Isso acontece por causa da tal resposta inflamatória. É extremamente importante que a gripe passe a ser encarada como uma doença séria.

Não perca: amanhã postaremos a segunda parte da entrevista, em que Greenberg fala sobre os desafios atuais na descoberta de novas vacinas!

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