Sucesso em novela, atriz trans supera preconceito: “Posso fazer qualquer papel

Foram 15 anos de carreira, e muito preconceito no meio artístico, até que a atriz Maria Clara Spinelli conseguisse um papel de destaque na televisão. Na pele de Mira, a amiga da vilã Irene (Débora Falabella) de “A Força do Querer”, ela finalmente recebe o reconhecimento que merece. Afinal, Maria Clara é a primeira atriz trans a interpretar uma mulher cisgênero em novelas do horário nobre, e essa conquista tem um peso maior do que se imagina.

A atriz também já esteve na série “Supermax”, onde foi uma das protagonistas, e em “Salve Jorge”, outra novela de Gloria Perez. Foi pelas mãos da autora que Maria Clara ganhou visibilidade, e o papel de Mira foi escrito especialmente para ela.

Em entrevista ao VIX, a atriz revela que não esperava fazer tanto sucesso, e que se sente honrada por representar a população trans: “É como se eu fosse a primeira que realmente chega a um maior número de pessoas”.

Maria Clara Spinelli em “A Força do Querer”

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MARILIA CABRAL/GLOBO

Ainda que apoie a vilã da novela, Mira é muito querida pelo público, e há quem espere pela redenção da personagem. “As pessoas são muito carinhosas comigo, mesmo quem não torce pela Mira, que quer que ela seja punida. Isso também é positivo, sinal que ela toca as pessoas”, explica Maria Clara, “Mas, por outro lado, tem uma grande parte que ainda quer que ela seja salva, e não acha que a Mira seja tão má como a Irene”.

A atriz concorda com quem defende sua personagem, mesmo ela sendo o braço direito de Irene. “Eu realmente acho que a Mira é uma aprendiz de vilã. Se fosse uma dupla Batman e Robin de heróis, uma dupla de vilões, a Mira seria o Robin da Irene. Acho que ela é uma pessoa mais fraca e manipulável do que má, então não considero a Mira uma típica vilã – e isso também é muito interessante de fazer”.

Surpresa com tanta repercussão de Mira com o público, Maria Clara diz que não esperava receber tanto carinho, mesmo confiando no trabalho de Gloria Perez.

Repetindo a parceria com a autora, a atriz não poupa elogios a ela, que foi quem a convidou para “Salve Jorge”, novela em que Maria Clara deveria fazer uma breve participação.

Na série “Supermax”, a atriz interpretou Janette, uma mulher trans e uma das protagonistas da trama. “Nós ficamos na produção desse trabalho mais ou menos de cinco a seis meses, e foi muito intenso em todos os sentidos, aquilo me trouxe uma responsabilidade maior de todas que eu já havia tido antes na TV”.

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ESTEVAM AVELLAR/GLOBO
Agora, em “A Força do Querer”, ela foi chamada para o elenco antes mesmo de ter uma personagem definida. “Isso é uma das maiores felicidades para um artista, que é ter uma grande autora escrevendo para você, e ela faz isso porque acredita no meu trabalho como atriz”, explica Maria Clara.

Representatividade trans na TV

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RENATO ROCHA MIRANDA/GLOBO
Mais do que isso, a atriz tem a função de interpretar uma mulher cisgênero, sendo trans na vida real, em uma narrativa que fala sobre esse tema com o personagem Ivan (Carol Duarte).

“Eu fico muito honrada por estar sendo a primeira da novela das 21h, com esse encargo, e isso é muito positivo para mim, porque eu sempre sofri muito preconceito profissionalmente, enquanto atriz. Muita gente elogia meu trabalho, mas nunca ninguém me deu essa oportunidade na TV, que a Gloria Perez está me dando”, aponta a atriz.

Durante seus 15 anos de carreira, Maria Clara atuou em peças de teatro e filmes. Foi no longa “Quanto Dura o Amor?” (2009) que ela obteve destaque, em um papel que lhe rendeu prêmios de Melhor Atriz no Festival Paulínia de Cinema, no Hollywood Brazilian Film Festival e no Monaco Charity Film Festival. Entretanto, é em “A Força do Querer” que ela se consagrou como atriz.

“Isso é um ganho muito grande, porque mostra que Gloria, que é a maior dramaturga que nós temos no País, acredita no meu trabalho como atriz, e isso é o que está acima de qualquer coisa para eu ser escolhida para esse papel”, declara Maria Clara.

Embora interprete uma mulher cisgênero na trama, “A Força do Querer” também fala sobre a temática trans, através da narrativa de Ivan. Para Maria Clara, é impossível não se identificar com os momentos da transição do personagem, já que ela mesma passou pela mesma situação há alguns anos. No entanto, ela frisa que cada pessoa lida com isso de forma muito individual.

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CAUIÁ FRANCO/GLOBO
“Quando eu falo sobre transexualidade, eu quero deixar claro que estou falando em relação à minha experiência, aos meus sentimentos e à minha vida. Eu não posso falar por outras pessoas. Mas, falando enquanto Maria Clara, do meu ponto de vista, eu acho a história da Ivan muito fiel à realidade, pelo menos à minha realidade”, aponta a atriz, que conversou bastante com Carol Duarte no começo da novela.

Além disso, ela destaca a importância de falar sobre o assunto em uma novela. “Eu enxergo a história do Ivan como um bem que Gloria está fazendo para a sociedade como um todo, e não só para as pessoas que nasceram transexuais ou transgênero, porque não são só as pessoas que passam por esse drama; são as pessoas, a família, os amigos. As pessoas que nasceram trans fazem parte de uma sociedade, e é uma minoria, é uma população muito marginalizada. Então isso que a Gloria faz é um serviço social, é muito importante”.

Com todo o destaque que teve em “A Força do Querer”, Maria Clara está recebendo inúmeros convites para futuros trabalhos, todos em fase de avaliação. No entanto, não vai demorar para vermos a atriz de novo na telinha. Ela estará na série “Carcereiros”, que já está disponível na internet, embora só seja lançada pela Globo no próximo ano.

De qualquer forma, dá para apostar que ela terá muitos outros papéis de sucesso na TV brasileira nos próximos anos. Ao menos, essa é a expectativa, já que atuar em uma novela das 21h abre os caminhos de qualquer artista.

“‘A Força do Querer’ teve esse peso, essa responsabilidade de ser uma obra tão grande, que atinge milhões de pessoas. Eu estou sendo vista todos os dias por tanta gente, tanto do Brasil quanto fora, e isso também é um marco para mim”, conclui Maria Clara.

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