Gravidez de Ivan em “A Força do Querer” pode acontecer na vida real, mas há riscos

É possível um homem engravidar? Bom, se for o caso de um transgênero, sim. Embora o termo possa confundir, essas pessoas nasceram com o gênero oposto ao qual se identificam e a transição é feita com o uso de hormônios, mas o aparelho reprodutor nem sempre é modificado. Dessa forma, homens trans, que nasceram mulheres, podem optar por manter o útero, o que possibilita uma gravidez, embora seja incomum.

Na novela “A Força do Querer”, da Globo, a autora Gloria Perez introduziu o assunto com o personagem Ivan (Carol Duarte), cuja trama está sendo elogiada e acompanhada por todo o Brasil. Nascido Ivana, ele enfrentou as descobertas e a mudança de gênero com muita rejeição por parte da família, que não compreende o desconforto que ele sentia no corpo feminino.

Depois de começar a tomar hormônios – sem orientação médica – e de adotar a identidade masculina, ele descobrirá uma gravidez indesejada, fruto do antigo relacionamento que tinha com Cláudio (Gabriel Stauffer). Na época, Ivan ainda tinha a identidade feminina, e a concepção aconteceu justo quando ele perdeu a virgindade, com o então namorado.

Desesperado, ele tentará levar a gestação adiante, mas perderá o bebê ao ser agredido na rua. Mesmo assim, são muitos os questionamentos sobre a possibilidade de um homem trans engravidar fora da ficção, sob o efeito de tantos hormônios e mudanças físicas. O VIX conversou com especialistas para entender, de fato, como isso pode acontecer.

É possível um homem trans engravidar mesmo que esteja em meio ao tratamento hormonal com testosterona. De acordo com a Dra. Mariana Farage, endocrinologista formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é aconselhado ao paciente que também tome algum anticoncepcional durante o processo de transição de gênero.

“Na dose que é feita, espera-se que o método barre a ovulação, para inibir o ciclo menstrual. Se a pessoa tomou testosterona e não tomou a pílula, ela pode engravidar”, explica a médica.

Além da concepção em homens trans que mantiveram o útero, outro caminho é o congelamento de óvulos, que pode ser feito de forma planejada, antes do início da transição. A ginecologista Dra. Carla Iaconelli, especialista em reprodução humana, conta que esse é o método mais indicado, por ter acompanhamento médico desde o começo.

“O uso de testosterona, ainda mais no início da gestação, pode causar abortamento, é preciso ter as informações e o tratamento correto”, afirma a especialista.

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Transição interrompida durante gravidez

Mas e durante a gravidez, é preciso parar o uso de testosterona? “O ideal seria interromper. O hormônio aumenta os glóbulos vermelhos e a pressão arterial no corpo feminino, o que pode ser um risco para a pessoa”, aponta a endocrinologista. E dependendo do grau da transição de gênero, não há com o que se preocupar, já que nem todas as características são completamente revertidas.

“Os pelos no corpo podem diminuir, assim como no rosto. Mas a voz grossa e o aumento do clitóris, características proporcionadas pela testosterona, permanecem iguais, mesmo com a interrupção no uso do hormônio”, explica a médica. O tratamento também pode ser retomado depois da gravidez.

Além disso, independente de já ter iniciado a transição de gênero, o organismo segue as modificações normais de uma gestação. “Os hormônios da gravidez que vão predominar”, explica a Dra. Carla, destacando que é possível até que a pessoa amamente a criança depois do parto, já que as glândulas mamárias são estimuladas durante a gravidez.

“Se o gestante tomou poucas doses de testosterona e interrompeu o uso, seguindo orientação médica, ele pode amamentar”, acrescenta a Dra. Mariana.

Consequências dos hormônios para o feto

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Caso não interrompa a ingestão de testosterona, quem mais corre riscos durante a gravidez é o feto feminino. De acordo com a Dra. Mariana, o hormônio masculino pode causar alterações severas no organismo do bebê.

“A principal mudança é no órgão genital, que pode ter características dos dois gêneros, resultando em uma deformação. Além disso, a testosterona altera também a formação cerebral do feto, através das sinapses. Pode nascer uma menina mais agressiva, masculinizada”, explica.

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Já no caso de um feto masculino, as consequências são menores, pois os efeitos do hormônio são sentidos de forma mais natural. “Como ele já tem a testosterona predominante no organismo, não há tantos problemas caso o feto entre em contato com o hormônio”, aponta a Dra. Carla, “Diferente do feto menina, que sofre uma virilização mesmo”.

Problemas em “A Força do Querer”

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A maior crítica que Gloria Perez está recebendo na construção da trama de Ivan é em mostrá-lo tomando hormônios sem ter se consultado com médicos. Além de ser irresponsável e incentivar outras pessoas a fazerem o mesmo, perigo apontado por outros homens trans e que oferece grandes riscos à saúde, as especialistas destacam que seria possível o personagem descobrir a gravidez antes de iniciar a transição.

“Na bateria de exames, sempre pedimos o teste de beta-HCG em um hemograma, que é a verificação dos hormônios da gravidez no sangue”, explica a Dra. Mariana. “Como o tratamento pode alterar a formação do feto, é preciso saber se há riscos antes de iniciar a transição de gênero”.

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Além disso, é importante que as pessoas se informem, pois o senso comum estabelece que a testosterona pode impedir uma gravidez, o que não é verdade. “A novela mostra que o personagem descobriu onde comprar hormônios, mas não teve orientações sobre anticoncepção após a transição. Por mais que ele rejeite o corpo, ele tem a fisiologia, e pode engravidar”, destaca a Dra. Carla.

Sendo assim, a gravidez de Ivan em “A Força do Querer” é possível de acontecer na realidade, mas o ideal seria mostrá-lo recebendo orientações médicas desde o início. “Se a pessoa se enxerga desconfortável no gênero em que ela está, ela deve procurar auxílio médico e psicológico e fazer a transição com supervisão. Muita gente pega recomendações de amigos e faz em casa, o que pode causar complicações graves, que põem em risco a vida”, conclui a Dra. Mariana.

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