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Seis “doenças psicossociais” podem estar presentes nos processos judiciais em tramitação no Brasil

A Psicologia Jurídica é tema de curso de extensão realizado pela Esmam e Faculdade Santa Teresa, em Manaus.

Machismo, racismo, consumismo, corrupção, a “doença da normalidade” e o narcisismo podem estar entre as principais doenças psicossociais presentes nas milhares de ações que tramitam no Judiciário brasileiro. A afirmação é do professor doutor Paulo Ferrareze Filho, que está em Manaus, ministrando o Curso de Extensão em Psicologia Jurídica, realizado pela Escola Superior da Magistratura do Amazonas (Esmam) e Faculdade Santa Teresa.

Ferrareze identificou as seis doenças, “que estão no cerne cultural” do País”, e disse que o Sistema de Justiça poderia trabalhar mecanismos específicos para minimizá-las, ajudando na compreensão do que levou uma pessoa a transgredir a lei.

“O Direito pode atuar como o agente que vai provocar a cura da doença psicossocial”, acrescentou. Ele citou, como exemplo, uma ação judicial movida pelas entidades afro-brasileiras contra emissora de TV por ter levado programas que agrediam religiões de origem africana. “A Ação Civil Pública acabou no início deste ano com um acordo em que a emissora de TV cederia espaço na sua programação para que as entidades afro-brasileiras explicassem sua cultura. Este caso é um exemplo que demonstra como a Justiça pode, através de decisões judiciais, contribuir para a redução dessas chagas que são as doenças psicossociais”, afirmou.

O professor ressaltou que, além das decisões da Justiça, existem também outras possibilidades, que ocorreriam através de uma ‘revolução clínica’ do Direito.

“Temos hoje a mediação de conflitos, que é um instrumento aprimoradíssimo para tratar os atritos de maneira mais célere e menos custosa ao Estado; há a Justiça Restaurativa, que tem exemplos de ações com resultados muito positivos em vários países, como a Bélgica; e tem ainda as constelações, as quais contribuem de maneira significativa para os quadros restaurativos dos casos envolvendo os conflitos familiares no Brasil”, exemplificou.

Doença da normalidade

A “doença da normalidade”, segundo Paulo Ferrareze Filho, seria uma “releitura social do que Freud (Sigmund Freud, criador da Psicanálise) chamou de neuroses”, que são as doenças daquelas pessoas que se consideram “normais”.

“É o aspecto ‘doentio’ das chamadas pessoas ditas ‘normais’. O exemplo de um sintoma da doença da normalidade poderia ser daquela pessoa que possui uma definição muito rígida, inflexível, de bem e mal. Aquela que se diz ‘eu sou uma pessoa de bem’, mas, ao fazer isso, demonstra de uma maneira muito clara que não conhece nada da psicologia humana e não entende nada de si mesma. Geralmente, esse tipo de pensamento se converte em discurso totalitário e autoritário, ou seja, se eu sou do bem, você tem que fazer exatamente o que eu faço, do contrário, você é do mal”, explicou o professor.

Psicologia e o Direito

A Psicologia, na visão de Ferrareze, que também é doutor em Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e professor de Psicologia Jurídica da Uniavan, além de psicanalista em formação na Escola Freudiana de Formação em Psicanálise (EFFP), está entre as disciplinas da academia que oferecem fundamentação social para o aluno do Direito.

“Se o Direito é feito, destinado e aplicado para pessoas é um contrassenso que nós, enquanto juristas, não saibamos praticamente nada sobre pessoas, como se dá o funcionamento psíquico delas e o manejo das emoções. Penso que a Psicologia é uma matéria hoje fundamental para todo operador do Direito que pretende enxergar não só o aspecto retributivo, ou seja, em que oferece a contrapartida para aquele que transgrediu a lei, mas um Direito também preocupado em compreender as causas que levaram o indivíduo a cometer uma prática delituosa”, observou Paulo.

Na sua opinião, a Psicologia vem ganhando “corpo” dentro do Direito “porque cada vez mais os juristas estão percebendo que a normatividade e as leis não são capazes, por si só, de resolverem uma série de dilemas ligadas as questões jurídicas”.

Ele ressaltou que não se pode trabalhar hoje, dentro da Psicologia Jurídica, pensando apenas nos aspectos de cunho individual.

“É preciso pensar de que maneira os impactos da concorrência voraz, da economia chamada por Foucault (Michel Foucault, filósofo francês contemporâneo que se dedicou à reflexão entre poder e conhecimento – 1926-1984) de empreendedorismo de si mesmo – em que as pessoas não são mais pessoas e sim uma empresa -, ou seja, tudo isso tem um impacto na vida de um indivíduo e, às vezes, por mais que alguém esteja se sentindo saudável, mas se estiver dentro de um contexto patológico, poderá ser ‘sugado’ por isso”, acrescentou Ferrareze.

Curso

A coordenadora do Curso de Direito da Faculdade Santa Teresa, professora doutora Lúcia Viana, ressaltou a importância da realização do Curso de Extensão em Psicologia Jurídica, em parceria com a Escola Superior da Magistratura do Amazonas. “É uma grande honra trazer esse curso para Manaus, através dessa parceria profícua com a Esmam. Cada vez mais a Psicologia se aproxima do Direito e este, também, buscando a Psicologia como suporte em suas ações. Não há mais possibilidade dessas áreas trabalharem de forma isolada, dada as mazelas existentes e grandes temas do nosso cotidiano. É de grande importância o debate dessa temática”, reforçou Lúcia Viana.

O curso está sendo desenvolvido em dois dias, nas dependências da Esmam, no bairro do Aleixo, com a participação de acadêmicos, professores, operadores do Direito e psicólogos. Nesses dois dias estão sendo tratadas questões ligadas ao Direito de Família e suas implicações dentro da Psicologia e Psicanálise; as relações de trabalho; as transgressões (Direito Penal e Processual Penal); além da discussão da transformação do Direito tradicional para o clínico, no qual o Direito pode ser percebido não apenas como aplicador das leis, mas também como um tratamento clínico – que leva as pessoas a responderem por delitos e eventuais falhas legais que cometeram e a entenderem as causas que as fizeram transgredir a lei.

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