Morreu na manhã de hoje, José Pantoja do Carmo, o conhecido Zé Caiá de Parintins. Sei a dor que o colega Marcos Santos está sentindo, pos já vivi situação semelhante. A melhor homenagem que presto ao amigo é reproduzindo esse emocionado texto publicado no blog dele, na semana passada:
Meu pai, José Pantoja do Carmo, conhecido em Parintins como Zé Caiá, aos 94 anos, baixou hospital. Esteve mal. Os médicos chegaram a dizer-me que não amanheceria. Superou AVC, obstrução intestinal e pneumonia. Viajou até Manaus. Deixou a UTI. Peço licença ao leitor para falar um pouco sobre ele, meu herói sem capa ou espada, dono de trajetória invejável e o sujeito mais altruísta que conheço.
Zé Caiá tem toda uma história no boi Caprichoso. É tio de Zeca Xibelão, que dá nome ao curral, pai de Rubem dos Santos, também falecido, que foi presidente do bumbá e apresentador – como eu próprio também apresentei. Onde vejo sua participação mais expressiva, porém, é na parceria com Luiz Gonzaga, de quem era irmão muito próximo, companheiro de pescaria e ajudante na confecção do azul e branco. E Luiz Gonzaga foi responsável por manter a chama do Caprichoso acesa, entre 1937 e 1967. Tempo suficiente para torná-lo, como diz Chico da Silva, nosso galardão.
Há até alguns anos, ainda via papai subindo nos postes para pendurar as bandeirinhas azuis e brancas, colorindo a rua com as cores do Caprichoso, sua forma de continuar participando, manifestando carinho à herança do saudoso irmão.
Meu pai me proporcionou algumas daquelas imagens que a gente leva para a vida inteira.
Estava com ele, pescando tambaqui, no lago do Comprido, em frente a Parintins. Passamos o dia inteiro colocando malhadeiras e espinhéis. Voltamos, no meio do igapó, por aquele emaranhado de árvores, verdadeiro labirinto, no meio do nada, onde só ele sabia exatamente onde havia deixado cada um dos arreios. E vimos um espinhel afundado na galhada. “Tem um peixe grande aí, mas tá engatado. Segura a linha pra não correr que vou mergulhar pra ver”. Ele caiu n’água. E o tempo foi passando, passando… eram minutos que pareciam uma eternidade. Eu tinha de 8 para 9 anos. Comecei a chorar. “Perdi meu pai”, imaginei. Foi quando ele emergiu, braços esticados, jogando para dentro da canoa um enorme tambaqui.
Acho que a melhor refeição que já fiz na vida, tendo experimentado algumas variedades gastronômicas famosas, foi quando ele forrou o estrado da canoa com canarana (capim), fez o fogo com galhos secos e assou no meio do lago uma banda de tambaqui. Tempero? Sal, farinha e o frescor natural do peixe. Espetacular!
Fui vê-lo trabalhar na estiva, no porto do Trapiche, em Parintins. Impressionante como subia correndo, com dois fardos de juta nas costas, na prancha de madeira com enorme curvatura e completamente bamba.
O casal que formou com minha mãe completou 70 anos de casamento no sábado 30/06/2012. Criou cinco filhos. Todos formaram-se em cursos do Ensino Superior. Os homens (três) queríamos, no entanto, seguir a profissão dele e mergulhar na pesca.
Quando comecei a querer faltar aula e as notas baixaram, ele não discutiu: “Menino te prepara que tu vai comigo pescar. Vamos hoje e voltamos amanhã”. E lá fomos nós – os dois, eu por volta dos 6 a 7 anos. Ia radiante, imaginando as aventuras e a comida maravilhosa que sempre acontecia nesses momentos. Na hora de dormir é que veio o problema: ele escolheu um local com bastante carapanã e tive que optar entre o calor sufocante, embaixo do encerado (aquela lona muito grossa usada pelos caminhoneiros) ou enfrentar milhares de ferroadas. O resultado é que passei a brigar pelas melhores notas e, não raro, fechava o ano sem falta.
Os irmãos, ambos mais velhos, vieram me perguntar: “Não quer virar pescador, Marcos? Nunca mais falastes disso”. Contei a surra de carapanã que levei. Eles caíram na gargalhada. A filosofia de beiradão, a esperteza do caboclo, nosso pai, tinha sido aplicada com eles também.
Disse que éramos cinco? Efraim, Suzana, Rubem e Itamar se foram. Velam por nós, na eternidade, filho e netos, para que aqui cuidemos deles, nossos maiores.
Não escrevo essas linhas diante da perspectiva de morte do meu pai. Aprendi a conviver com a possibilidade de ficar sem ele há muito tempo. É duro. É dolorido. É difícil. Mas inevitável. E se cremos em Deus e na vida eterna, esse é o momento em que colocamos nossa fé à prova. O pastor Jorge Monteiro da Silva, hoje na Igreja Batista Esperança, na Duque de Caxias, disse numa palestra que “os mortos já estão no juízo final porque para eles o tempo passa de outra forma”. Acredito e me consolo nisso. Espero ver nossa família novamente reunida, sentada à mesa, conversando, brincando, disputando o bico do pão e a cabeça do tambaqui, na linha de chegada.
Zé Caiá vai surpreendendo os médicos com o seu instrumental físico caboclo. Os médicos me dizem: “Rapaz, ele tá melhor. Esse teu pai é muito forte”. Que volte para casa. Minha mãe, Raimunda, 90 anos, espera por ele ansiosa, saudosa, apaixonada. É tão complicado consolá-la quanto cuidar dele.
Meu pai, querido, ouça o que escrevi sobre o senhor e alguns de seus companheiros, com música de Chico da Silva. É a toada “Os pescadores”, na voz do nosso querido Chico (clique para ouvir):
Lindo. Não conheço pessoalmente nenhum dos envolvidos, mas me emocionei com o amor e reconhecimento filial que emana do texto. Meus pêsames.
Meus sentimentos à família em especial ao colega Marcos Santos.Os caprichosos estão de luto.
Bela homenagem fizeste ao teu pai Marcos Santos. Só quem quem perdeu o seu sabe este momento. Sinceros pêsames aos familiares.
Emocionante. Peço a Deus que console o Marcos Santos, sua mãe e toda a família. Nossa vida é muito frágil. Rapidamente passa e perdemos as pessoas que amammos. É preciso acreditar em algo superior porque senão qual é o verdadeiro sentido de vivermos? Fique com Deus, Marcos.
Minhas sinceras condolencias a Marcos Santos e sua família nesse difícil momento. Eu acredito que quando Deus chama alguém pra perto de si, é porque sua missão na terra já está concluida. Sendo assim, prezado Marcos Santos, irá descançar num lugar melhor. Amém.
Amigo ronaldo, escalheste um belo texto para lembrar do Amor do filho ao seu Pai. Fiquei emocionado. Meus pêsames a familia do Marcos Santos
Apesar de todas criticas, Venho aqui demonstrar meus sinceros sentimentos a toda famila do Marcos Santos, tbm ja passei por uma situacao semelhante e sei o quanto doi perder uma pessoa de nossa familia ainda mais quando e pai..
Meus sentimentos a toda familia!
Nosso amor a Zé Caiä foi sempre direcionado por seus ensinamentos debaixo da graca de Deus.Tio forca para continuar cuidando da mamãe Raimunda(avó)