Série de concertos relembra centenário da chegada do compositor francês Darius Milhaud ao Brasil

A oitava edição do Circuito Musica Brasilis, idealizado e dirigido pela cravista e pesquisadora Rosana Lanzelotte, chega a Manaus na próxima terça-feira (26), no Teatro Amazonas. Com entrada gratuita, a apresentação acontece às 20h e conta com o apoio do Governo do Amazonas, por meio da Secretaria de Estado de Cultura.

O espetáculo faz referência à chegada ao Brasil do compositor Darius Milhaud (1892-1974) há exatos cem anos, em 1917. Nos dois anos em que o francês permaneceu no Rio de Janeiro, fez amizade com diversos compositores e, de regresso à França, inspirado nas músicas populares que ouviu durante a permanência no Rio, ele compõe em 1919, “Le boeuf  sur le toit”, tradução do título do tango de José Monteiro – “O boi no telhado”, lançado no Carnaval de 1918. O sucesso da peça inspirou a criação do restaurante homônimo em Paris e a expressão “faire le boeuf”, usada pelos músicos quando se juntam para improvisar.

O programa do concerto inclui obras de Darius Milhaud e dos compositores em que se baseou – Ernesto Nazareth e Chiquinha Gonzaga –, além de Heitor Villa-Lobos, e será interpretado pela Orquestra de Câmara do Amazonas, regida por Bruno Nascimento, tendo como solista José Staneck (harmônica), que, durante o espetáculo, lerá trechos de cartas de Milhaud alusivas ao Brasil.

Um boi brasileiro no telhado francês

A história começa no Carnaval de 1918, quando um tal de José Monteiro lançou o “O boi no telhado”, sucesso que não deixaria o compositor francês Darius Milhaud indiferente. O artista chegara ao Brasil um ano antes, em missão diplomática, como secretário de Paul Claudel. Encantados estavam com as palmeiras imperiais da Rua Paissandu, com as noites nos salões musicais da capital da jovem república, com a ginga dos ritmos populares.

O jovem Darius saiu comprando partituras – havia lojas de partituras –, todos os “tangos, maxixes, sambas e cateretês” que conseguiu. Tocava, tocava, mas faltava algo… o molho, o “petit rien” (pequeno nada), que dava graça àquela música.

Foi ouvir Ernesto Nazareth tocar na sala de espera do cinema Odeon, e percebeu que se tratava de um dos melhores. Encantou-se também com “Marcelo Tupinambá”, o engenheiro Fernando Lobo, que adotou o pseudônimo para disfarçar a condição de músico popular. Milhaud achava que os compositores clássicos deveriam beber naquela fonte, da música autenticamente brasileira, diferente de tudo o que tinha ouvido.

Depois de quase dois anos, Milhaud volta a Paris com as malas cheias de música de Nazareth e Tupinambá, mas também de Chiquinha Gonzaga, Alberto Nepomuceno, Alexandre Levy, Álvaro Sandim e muitos outros. “Estava feliz por retornar… Mas minha alegria estava mesclada de nostalgia: eu amava profundamente o Brasil”.

O compositor passou por um período árido de inspiração, chegou a conjecturar que teria deixado a sua verve no Brasil. Os “tangos, maxixes, sambas e cateretês” o reacenderam para a música e ele escreve em 1919 “Le Boeuf sur le toit”. Com roteiro de Jean Cocteau e cenários de Raoul Dufy, a peça estreia com sucesso estrondoso na Comédie des Champs Elysées.

As brincadeiras dos palhaços Fratelini embaladas por ritmos brasileiros vinham bem a calhar no pós-guerra europeu. A peça de Milhaud nada mais é do que uma inspirada costura de 24 peças brasileiras que levou na bagagem, entre as quais “O boi no telhado”.

Milhaud e seus colegas compositores do grupo dos seis passaram a se encontrar para tocar as peças brasileiras no Bar Gaya, cujo dono, animado com o crescente sucesso das noites de sábado, fundou o restaurante Le Boeuf sur le Toit, que existe até hoje em Paris. O local tornou-se o point de músicos e escritores e originou a expressão “faire le boeuf”, que significa dar uma canja, tocar de improviso.

PROGRAMA
VIII Circuito Musica Brasilis

Chiquinha Gonzaga (1847-1935) – “Gaucho, Atraente”

Darius Milhaud (1892-1974) – “Saudades do Brasil” (1920)

Heitor Villa-Lobos (1887-1959) – “Kankikis” (arranjo José Staneck)

Ernesto Nazareth (1863-1934) – “Odeon” (arranjo Luciano Gallet)

Darius Milhaud (1892-1974) – “Le Boeuf sur le Toit”

Heitor Villa-Lobos (1887-1959) – “O trenzinho do caipira (das Bachianas nº 2)”

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *