Na entrada do desfile, a estrelinha que cobre o seio esquerdo de Monique Evans despenca. A alguns minutos de entrar na Sapucaí, pela Mocidade, a pele é coberta de glitter prateado. Primeira rainha de bateria, a modelo também iniciou a era do topless. Este ano, fértil em enredos indígenas, como o da Imperatriz, nem toda nudez será castigada na Avenida.
— Eu sempre fiz topless na Farme (em Ipanema) cercada de gays. Lá fora, você vê velhinhos na praia pelados jogando frescobol. É natural. Acho uma hipocrisia cobrir o bico do peito e botar a bunda de fora com um barbantinho e dizer que não está pelada — ironiza Monique, que hoje só toma sol à vontade “na laje”.
Se na década de 80, a nudez era sinônimo de liberdade, hoje, em 2016, a ousadia é cobrir. Celebrada pelos internautas, a Globeleza Erika Moura inovou. Em vez da pintura corporal, vestiu figurinos das foliãs Brasil afora.
— Toda a glória às nuas, mas já tinha 20 anos nesse modelo de Globeleza. Agora, é uma grande homenagem às mulheres do Brasil, inclusive as pelancudas, as mais velhas. Achei ousadas e atrevidíssimas as “tetinhas cobertas”. A vinheta é democrática — elogia Milton Cunha.
Carnavalesco da Mangueira, Leandro Vieira aprova a vinheta:
— A nudez, artística, é bonita. Mas não pode ser o estereótipo, definir a figura da mulata. A mulata do carnaval é a mulher que trabalha, é mãe, tem acesso à universidade. Não se pode reduzir a mulher ao apelo sexual. Achei a Globeleza vestida ótima.
O carnavalesco da Imperatriz, Cahê Rodrigues, levará mulheres com seios nus em seu enredo sobre o Xingu.
— Gosto de vestir os componentes, mas, num tema indígena, teremos corpos de fora. Não é apelativo — explica o carnavalesco, que era fã “número 1” de Valéria Valenssa: — Ela parecia vestida por sua elegância. Mas hoje o foco não está no nu. Está na foliã, na sua alegria, no valor da menina feliz, brincando. É outro conceito, outra mensagem. Tudo muda. O mundo muda.
Na ponta do pé
Quem leva a missão de representar o samba na ponta dos pés aprovou a nova Globeleza. Musa da Mangueira, formada em Geografia com MBA em Gerenciamento de Projetos, Rafaela Bastos diz que é “inquestionável” o valor da nova Globeleza:
— Essa vinheta hoje abraça a todas as mulheres que frequentam o carnaval, seja as que trabalham, sejam as artistas ou foliãs. No samba, as mulheres ainda conquistam seu espaço com muita luta — conta Rafaela Bastos.
Formada em Jornalismo, Evellyn Alves conta que não faltou bamba estranhando ver a rainha do Cacique de Ramos nos bancos da universidade. Aos poucos, foi deixando o posto de majestade e decidiu rodar um documentário sobre o bloco. E hoje luta pela valorização e reconhecimento da mulher negra:
— O samba tem sensualidade como qualquer outra dança. Mulher do samba é muito mais que um corpo desnudo e é tão rico e encantador quanto uma bailarina do Theatro Municipal.
O corpo a corpo no carnaval
1985 – Monique Evans foi a primeira musa a desfilar com os seios de fora na Mocidade
1987 – O topless da eterna rainha da Avenida, Luma de Oliveira, na Caprichosos
1989 – Enoli Lara fez nu frontal no histórico enredo Festa Profana, da Ilha
1996 – Luiza Ambiel como Eva, na Mocidade
1999 – Viviane Araújo exibe sua beleza em desfile da Mangueira
2001 – Valéria Valença como Globeleza futurista em gravação da vinheta de carnaval da Globo
2011 – Valesca Popozuda ousou como banana, no apogeu da era das bombadas na Sapucaí
2017 – Vinheta da Globo inova e é aprovada por carnavalescos